Após 'matança' no Rio, Lula pede PF na investigação; perita defende rigor técnico
"Perícia não é crachá"
A megaoperação realizada pelo governo do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha, que resultou na morte de 121 pessoas, incluindo quatro policiais, foi classificada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “desastrosa” e uma verdadeira “matança”.
Em entrevista a agências internacionais, Lula afirmou que o governo federal vai pressionar por uma investigação independente, com participação de legistas da Polícia Federal (PF), para apurar as circunstâncias das mortes. “A decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança, e houve matança. É importante verificar em que condições ela se deu”, declarou Lula, ressaltando que o objetivo é garantir transparência e rigor técnico na apuração.
A operação, considerada a mais letal da história do estado, tinha como alvo integrantes da facção Comando Vermelho. Apesar do número recorde de mortes, o governador Cláudio Castro classificou a ação como “um sucesso”, alegando que as vítimas eram criminosos. A repercussão nacional e internacional, porém, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar a preservação de todos os elementos materiais e perícias para garantir a cadeia de custódia e permitir controle externo pelo Ministério Público.
Perícia é ciência, não disputa de poder
Com a polêmica sobre quem deve conduzir as necropsias, surgiram questionamentos sobre a atuação dos médicos legistas estaduais e pedidos para que apenas a PF assuma os exames. Para a médica Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, essa discussão precisa ser pautada pela técnica. Segundo ela, a perícia médica não depende só de quem faz, mas de como se faz. “Médicos legistas da polícia científica realizam necropsias todos os dias, inclusive em casos de confronto. Eles conhecem os protocolos e aplicam o método com regularidade. A imparcialidade não vem da troca de instituição, vem do rigor técnico. É o método que garante a confiança no resultado, não o crachá.”
A perita alerta que excluir os legistas estaduais seria um equívoco, “Se a PF tiver que atuar nesse caso, então em outros casos semelhantes, mas de menor proporção, como fica? É o mesmo que declarar todos os legistas estaduais como inaptos, e isso simplesmente não é verdade.”
Segundo a especialista, perícia não é sobre opinião, nem sobre disputa de poder: “É sobre ciência. É sobre prova técnica que deve ser imparcial, independente da instituição onde acontece. Se não for feita com autonomia técnica, pode ser invalidada.”
A forma como as perícias serão conduzidas é central para garantir a credibilidade da investigação. Organismos internacionais, como a ONU, já pediram apuração independente e preservação da cadeia de custódia, diante de denúncias de possíveis execuções sumárias e violações de direitos humanos durante a operação.
Fonte: Caroline Daitx: médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na Polícia Científica do Paraná e foi diretora científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular, promove cursos para médicos sobre medicina legal e perícia médica. CEO do Centro Avançado de Estudos Periciais (CAEPE), Perícia Médica Popular e Medprotec. Autora do livro “Alma da Perícia”. Doutoranda do departamento de patologia forense da USP Ribeirão Preto.