terça-feira, 31 de outubro de 2023

SAÚDE

Outubro Rosa e a longevidade da mulher japonesa 

Dr. Sérgio Okamoto*

Os japoneses são mundialmente reconhecidos pela sua longevidade. De acordo com o Índice de Qualidade de Vida da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a média de idade dos habitantes do Japão atinge os 84 anos. Essa estatística se desdobra ainda mais, com uma expectativa de vida de 88 anos para as mulheres e 81 anos para os homens, estabelecendo um recorde como a mais alta expectativa de vida global. Em contraste, no Brasil, a média de vida é de 77 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciando uma diferença significativa. Adicionalmente, o Japão é o país que abriga o maior número de centenários no planeta. Esse não é o único destaque em termos de saúde: junto com a Coreia, o Japão apresenta os menores índices de câncer de mama no mundo.

No entanto, qual é a explicação por trás dessa realidade? A longevidade das japonesas está intrinsecamente ligada a diversos fatores, incluindo uma dieta saudável e equilibrada, noites de sono regulares, acesso facilitado a serviços de saúde de alta qualidade, ampla disponibilidade de educação e cultura, bem como um padrão de vida mais elevado na terceira idade.

A dieta tradicional japonesa se destaca por sua baixa ingestão de gordura animal, especialmente em comparação com os padrões ocidentais de alimentação. Isso é significativo porque o consumo de alimentos ricos em gordura animal, como carne, laticínios, frituras e óleos, tende a aumentar os níveis de estrogênio no corpo feminino. Esse hormônio tem o potencial de estimular o crescimento de células cancerígenas em órgãos sensíveis aos hormônios sexuais femininos, como a mama. Portanto, a redução do consumo desses alimentos está diretamente relacionada a um menor risco de câncer de mama.

De fato, um estudo publicado no Journal of the National Cancer Institute demonstrou que a redução da quantidade de gordura na dieta de meninas entre oito e dez anos resultou em níveis mais baixos de estrogênio, e esses níveis se mantiveram estáveis ao longo dos anos seguintes. Esse achado é um indicativo claro de como a escolha alimentar pode ter um impacto na saúde hormonal das mulheres.

 

Mesmo os índices sendo baixos, dados recentes acendem um alerta

Historicamente, o Japão é um dos países com menor taxa de incidência de câncer de mama em mulheres. No entanto, hoje acompanhamos um crescimento no número de casos da doença. Por exemplo, a Sociedade Japonesa de Câncer de Mama mostrou um aumento em dez anos. Em 2008, a estimativa era de 59 mil casos de câncer de mama em mulheres, em 2018, o dado aumentou para 93 mil. Enquanto em 2008 a população era de cerca de 65 milhões de habitantes, em 2018, o número era de 64 milhões. Ao mesmo tempo em que a incidência aumentou, a população diminuiu. Um dado mais recente do Globocan 2020 mostra que o número de casos naquele ano era de 92 mil. 

Estudos apontam que esse aumento no número de casos de câncer de mama no Japão pode ser atribuído a dois fatores principais. Em primeiro lugar, a população japonesa está envelhecendo rapidamente. Isso naturalmente eleva as chances de desenvolvimento do câncer de mama, uma vez que a incidência da doença tende a aumentar com a idade. Além disso, o segundo motivo está relacionado às mudanças nos estilos de vida dos japoneses. Assim como em muitas partes do mundo, muitas pessoas no Japão estão adotando estilos de vida mais agitados, o que muitas vezes resulta em escolhas alimentares menos saudáveis e em rotinas mais sedentárias. Essas mudanças nos hábitos cotidianos e na qualidade de vida têm se mostrado prejudiciais à saúde e podem contribuir para o aumento das taxas de câncer de mama.

Apesar da incidência aumentando, os casos de sobrevida da doença também são altos. Um caso famoso foi o da imperatriz emérita japonesa, Michiko, que teve câncer de mama e passou por uma cirurgia há alguns anos. Hoje ela se encontra com 88 anos e livre da condição. Seu diagnóstico foi recebido quando o câncer estava em estágio inicial, o que aumenta as chances de cura.

O câncer de mama, assim como outras doenças graves, ainda é tratado com discrição no Japão, frequentemente só sendo mencionado quando um paciente se recupera ou, infelizmente, quando falece. Embora haja uma relutância cultural em discutir assuntos pessoais abertamente, é fundamental promover diálogos e disseminar informações sobre o câncer de mama. Isso é crucial para encorajar as mulheres a cuidarem da sua saúde, independentemente da sua nacionalidade, incentivando práticas como uma alimentação saudável e a prevenção por meio de exames de rotina e check-ups regulares.


*Dr. Sérgio Okamoto é médico especialista em Saúde Ocupacional e Superintendente Geral do Hospital Nipo-Brasileiro. O Hospital Nipo-Brasileiro foi fundado nos 80 anos da imigração japonesa no Brasil.