MORO NA CÂMARA E O MISTÉRIO DOS ESPELHOS
QUEBRADOS
Percival Puggina
No conflito entre a curiosidade que o
acontecimento suscitava e o mal estar que as cenas provocavam, o corpo venceu a
mente. Desliguei o televisor. Até hoje não consegui entender a “credibilidade”
que possam ter minúsculas transcrições de conversas, sem gravidade alguma,
trocadas ao longo dos anos, com assimétrica ocultação do inteiro conjunto do
material que certamente serviria, mais robustamente, como prova da tese oposta.
Enfim, não deu para suportar aquela
sequência de raciocínios rasos, grosserias e calúnias, postos em forma de
perguntas, produzidas com o simples intuito de ofender o ministro.
O
desrespeito e a clara intenção de usar o ato como instrumento de vingança, na
tentativa de flagelar o ex-juiz com o azorrague da maledicência, me incomodavam
tanto quanto saber que os incidentes transcorriam na “douta” Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Se os critérios morais de um
questionamento são esses, o que restará para os atos legislativos e decisões de
Estado? Que respeito terão, pelo interesse público, aqueles senhores e aquelas
senhoras tão facilmente combustíveis à chama de sentimentos vis? Não surpreende
o resultado de tantas deliberações.
Com o
devido respeito às instituições republicanas, Sérgio Moro submeteu-se ao mais
rigoroso teste de paciência, tolerância e força de caráter. Foi exemplar.
Sofreu na carne durante sete horas aquilo que não suportei assistir. Aos que o
agrediam, nenhum limite era exigido; nele, um simples sorriso era objeto de
severas reprimendas! Por fim, havendo a agressividade do plenário alcançado o
nível mais baixo, retirou-se da sala. E foi chamado de “fujão”! Ora, os fujões
compunham boa parte do plenário. Fujões dos braços da justiça, agarrados ao
privilégio de foro e, com as unhas, à porta que supõem estarem abrindo para
promover o fim da aterradora Lava Jato. Essas mesmas vozes falaram praticamente
sem contestação durante décadas, promoveram a destruição de valores,
construíram duradoura hegemonia política e semearam antagonismos na sociedade.
Alinharam, perfilaram e mobilizaram tropas de choque. No entanto, desde que
perderam o poder, têm reclamado do que chamam “discurso de ódio”. Mistério dos
espelhos que se perderam.
A
audiência de Sérgio Moro expôs o tipo de cisão política que se torna inevitável
em presença de partidos e parlamentares que, num dia aprovam projeto de lei que
penaliza o abuso de poder e, no outro, usam do poder conferido pelo mandato parlamentar
para praticar os abusos que todos pudemos assistir.
Desde a
entrada em cena dos vazamentos que estão sendo distribuídos por Glenn Greenwald
teve início uma tentativa de reconstruir a imagem do ex-presidente Lula. É como
se uma mão lavasse a outra e um crime lavasse outro. Como se não houvesse
outras condenações, outros processos criminais em outros foros e outras
evidências, sempre associadas à mesma relação impura com poderosas empresas.
Os
espelhos se espatifaram de vez.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.