O PAPEL
REVOLUCIONÁRIO DA BAIXARIA
Percival Puggina
Eu
entendo que pessoas fortemente influenciadas e manipuladas se deixem seduzir
por uma mentalidade revolucionária incumbida de promover a derrubada geral da
história, da civilização, da família, da religião. Assumem que, para o bem da
revolução, seja qual for, tudo deve ser posto abaixo sem sutileza nem
gentileza. De início, havia vigorosos arroubos intelectuais nesse labor. Com
efeito, desde a primeira metade do século passado, autores consagrados,
filósofos sociais, psicólogos, sociólogos, antropólogos, economistas e
historiadores, entre outros, se dedicavam a um sofisticado trabalho de
desconstrução cultural. Era a Teoria Crítica e eram outros os tempos.
Agora, já em sua terceira geração, as
deformações “genéticas” dessa teoria se expressam com maior evidência. Em
crescente proporção, o pensar e o agir revolucionário estão sendo tomados por
uma espécie de proletariado do intelecto. Sua indigência intelectual opera
muito aquém das necessidades mínimas inerentes a essa ação humana.
Frequentemente,
por exemplo, a corroborar tais afirmações, me chegam imagens colhidas em
universidades públicas. Por vezes, mostram paredes de sala de aula e ambientes
acadêmicos ostentando pichações, pinturas e mensagens que lembrariam porta de
banheiro de estação rodoviária não fosse aquele odor substituído por uma
catinga revolucionária. Outra vezes, são performances, título sob o qual são
reivindicados inviolabilidade e reconhecimento devidos a quem estivesse
promovendo uma flamejante alvorada renascentista.
O que
relato sem exibir, por resistência estética, é clara comprovação de uma
descoberta destes tempos culturalmente bicudos: em parcela do ambiente
universitário brasileiro desenvolveu-se a teoria do papel revolucionário da
baixaria. Revolução é palavra quase sempre presente nessas manifestações e na
respectiva – digamos assim – produção cultural. Fica inequívoco nas mensagens e
no grafismo que as acompanha, o intuito de virar o mundo de cabeça para baixo.
Um mundo onde o homem, especialmente o infeliz agraciado com o rótulo “homem
burguês”, será o grande derrotado. Daí a sexualidade “instrumental” e a
sexualidade por outros meios, que cativa, por exemplo, o numeroso público nacional
da peça Macaquinhos, cujos atores aguardam, de quatro, a revolução começar.
Havia
por aqui uma filósofa e política que avançou bastante nesse suposto
progressismo. Quando seu conceito mais famoso viralizou na Internet, seu
partido arrepiou (ela era candidata ao governo do Rio de Janeiro). Ou negava ou
bancava. O partido preferiu afirmar que as frases destacadas haviam sido
tomadas “fora de contexto”.
Se eu
fosse revolucionário, preferiria Trotsky. Preferiria Fidel. Preferiria até
Lênin, desde que lhe servissem uma boa dose de Red Bull. Acho desrespeitoso que
ideias sejam combatidas em linguagem de drogados, com argumentos de quem faz
política porque não resolveu sua sexualidade. E o que é pior, como se seus
problemas fossem um kantiano imperativo categórico universal.
* Percival Puggina (74), membro
da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e
titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.