Percival Puggina
O
escrutínio das causas que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff ainda não
mereceu consideração nas avaliações internas do seu partido. Depoimentos só
foram prestados e confissões só foram ouvidas em processos de colaboração
premiada. O que mais aparece no noticiário é uma vitimização atacando o que
denomina “discurso de ódio”, ante o qual o partido e suas iniciativas seriam
vítimas indefesas e consternadas.
Entre as
vantagens que advêm dos meus 73 anos, incluo, sem dúvida, o acompanhamento ao
vivo da política nacional durante largo período de tempo. A isso agrego o fato
de ser colunista de jornais ao longo das últimas três décadas e meia. Se houve
um traço nítido na ação política do PT durante esse período, foi, precisamente,
a incitação ao ódio em pluralidade de formas e expressões.
Quase
como parte de minha atividade cotidiana acompanhei o surgimento e o crescimento
desse partido, mas qualquer um que já tenha idade para estacionar em vaga de
idoso também assistiu a tudo. Observei a natureza das ações, o trabalho de
organização dos movimentos sociais, o lado trotskista que reconhecia a
centralidade da política, e o diálogo com organizações da luta armada (as tais
frentes de “libertação nacional” em países da América do Sul, na América
Central e na África).
Em todas as atividades compareciam,
sempre, os elementos apontados por José Hildebrando Dacanal em “A Nova Classe -
o governo do PT no Rio Grande do Sul. São eles: 1) a culpa é do sistema; 2) a
sociedade tem que se revoltar; 3) os que se revoltarem votarão em nós; 4) a
solução virá com a revolução socialista que nós faremos”. Cada passo dessa
sequência não envolve qualquer generosa declaração de amor, mas exige a
construção do antagonismo e a percepção do ódio como instrumento de luta.
Coerentemente,
então, foram décadas de louvação a um homicida furioso como Che Guevara, para
quem “O ódio é o elemento central de
nossa luta! Ódio é tão violento que impulsiona o ser humano além de suas
limitações naturais, convertendo-o em uma máquina de matar com violência e a
sangue frio”. Não pensava diferente outro ícone frequentemente lembrado.
Carlos Marighella, em seu minimanual do guerrilheiro urbano alerta que o
guerrilheiro somente poderá sobreviver se
estiver disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão e
se for verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes
capitalistas, dos latifundiários, e dos imperialistas. Não, a adoção de
modelos não é uma tarefa inconsequente.
Como
produto, a violência foi se tornando rotineira. Todo um divisionismo foi
minuciosamente semeado entre raças, etnias, sexos, gerações, grupos e classes
sociais. Gradualmente, num crescendo, desencadearam-se as invasões de
propriedades rurais seguidas de corredor polonês para retirada dos
proprietários, as destruições de patrimônio, as invasões de parlamentos e
prédios públicos, os enfrentamentos às autoridades policiais, os trancamentos
de rodovias e queimas de pneus, as destruições de lavouras, os black blocs, as
campanhas pela mudança de nomes de ruas e todas as ações voltadas para o quanto
pior melhor.
Não
preciso que alguém me descreva os danos causados pelo ódio dentro de uma
sociedade. Eu vi isso acontecer. Eu o rejeitei então e o rejeito agora. Ele não
se confunde com a indignação contra a injustiça, contra o mal feito, nem com a
denúncia do malfeitor. O que refugo, por absolutamente hipócrita, é a denúncia
do “discurso de ódio” formulada como escudo protetor de quem dele se serviu
para suscitar tanta divisão, antagonismo e malquerença no ambiente social e
político brasileiro!
* Percival Puggina (73), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do
grupo Pensar+.