Percival Puggina
É comum
que, ao se afastar provisoriamente do cargo, o governante deixe algumas
atribuições rotineiras para serem executadas pelo substituto. Trata-se de uma
gentileza, para que o fulano ou fulana sinta-se útil e não passe seu tempo “in office” olhando para o teto e tomando cafezinho.
Penso que assim deva ser compreendida a absurda assinatura da ministra
presidente do STF, Cármen Lúcia, substituindo Temer, no decreto que obriga
empresas a serviço da administração pública a admitirem presos e
ex-presidiários para execução dos serviços contratados.
Ao
burocrata que preparou a pilha de atos a serem assinados por ela deve ter
parecido adequado que um decreto tratando de trabalho para presos fosse
oficializado com o autógrafo de uma autoridade oriunda do Poder Judiciário.
Pode ser mera suposição, mas suspeito que a ministra tenha sido vítima de uma
cortesia. Você sabe a força do tudo pelo social, certo?
No entanto,
que decreto mais equivocado e típico da conduta do Estado brasileiro em relação
à sociedade! É claro que presos devem trabalhar. É óbvio que esse trabalho
deveria ser facultado nos estabelecimentos penais e não ser facultativo, para
que o preso contribua com seu custeio e o encarceramento não constitua um
agravo adicional à sociedade que já foi vítima do crime que ele praticou. Mas
não, nossos estabelecimentos penais não dispõem de oficinas. As parcerias
público-privadas (PPPs) que poderiam viabilizar a multiplicação dos
estabelecimentos penais, acabar com o ócio criminoso dos presídios e com o
empilhamento de encarcerados, sofrem severa resistência dos defensores de
direitos humanos. É como se um presídio moderno, transformado em local de
trabalho e estudo, fosse tornar pior o que hoje estamos proporcionando aos
presos brasileiros.
Então, a
burocracia – Eureca! – recorre à solução clássica: empurra o problema para a
iniciativa privada. O poder público não faz presídios, não proporciona locais
de trabalho, não firma PPPs. Que a empresa abrace, pois, a tarefa, de modo
coercitivo, e assuma riscos adicionais que não existiriam se a atividade
laboral fosse prestada dentro da prisão. Vejam o disparate: os presos trabalham
se quiserem, mas as empresas contratadas pelo setor público são obrigadas a
lhes disponibilizar vagas que faltam aos mais honestos chefes de família! Não
acredito que dona Cármen Lúcia fosse conceber uma besteira dessas.
Enfim,
esse é apenas mais um sintoma do mal comum: o Brasil se tornou um país onde a
sociedade – até para isso! – serve ao establishment, ou à parceria
político-burocrática, sem possibilidade de reversão, ou mesmo de algum
vice-versa.
*Percival Puggina (73), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do
grupo Pensar+.