Percival Puggina
Não
tenho a menor ideia. Surpreende-me que tantos analistas se apressem em indiciar
“a polícia”, assim, genericamente, como se a instituição fosse executante de
sentenças de morte. Tais generalizações me incomodam. Primeiro, porque presumem
a burrice do interlocutor; segundo, porque se prestam para que a atividade
policial, numa instintiva autodefesa, fique neutralizada. E quase acrescentaria
um terceiro motivo, que me vem da morte de Celso Daniel. Lembram? No dia em que
encontraram seu cadáver com 11 perfurações a bala e sinais de tortura, todo o
alto comando petista desembarcou em Santo André tendo à frente o falante Dr.
Eduardo Greenhalgh. Nos cochichos do velório, o que mais se ouvia eram
insinuações de que o prefeito fora executado por adversários da campanha de
Lula, que ele, Celso Daniel, iria coordenar. Depois, foi o que se sabe.
Essas
acusações afoitas sempre me parecem movidas a muito má intenção. Um crime pode
ser cometido por médicos, mas isso não transforma o hospital em organização
criminosa. Um crime pode ser cometido por policiais, mas isso não transforma a
polícia em organização criminosa. Um crime pode ser cometido por uma facção
criminosa. E isso é o que dela se espera. O que mais leio e ouço nestas últimas
horas revela um esforço em entregar o cadáver da vereadora para as instituições
policiais e em transformar sua morte numa questão racial. A “polícia” teria
executado uma “mulher negra”. O assassinato não teria sido de uma pessoa
humana, que para isso ninguém mais dá bola, mas de uma mulher de pele escura e
vereadora, o que amplia a dimensão política do fato. Já o seu motorista
continua ignorado. Morto, oprimido e excluído, de “raça” ignorada, o infeliz.
Entortou-se no Brasil a capacidade de análise. Em 2017, tal qual em 2016, 134
policiais foram mortos no Rio de Janeiro. Qual era a cor de sua pele? Isso não
interessa pelo simples motivo de que isso realmente não interessa a qualquer
pessoa intelectualmente honesta e mentalmente sã. Interessa a vida humana
sacrificada.
Todo
esse empenho em transformar a morte da vereadora num conflito entre raças,
entre oprimidos e opressores, vem vestido com aquela malícia que, para dar vida
à respectiva ação política, precisa de conflitos tanto quanto do ar que
respira. Morreu uma mulher negra; logo, seus assassinos são homens brancos –
presume-se que deduzam os tolos. Em artigo na Zero Hora de hoje, uma repórter
da RBS dá números extraídos do Atlas da Violência: no Brasil, sete em cada 10
vítimas de homicídio são negros. É fato. No entanto, a redatora do texto, para
mostrar o fato como lhe convém à tese, passa por cima de outras evidências: o
número de homicídios cometidos no Brasil é impulsionado por conflitos entre
facções criminosas em disputas de território. Nessas verdadeiras guerras de
conquista pelo controle local do tráfico de drogas, bem como do roubos e
comercialização de cargas, ninguém olha para a cor da pele, senhora repórter!
Não há uma “chacina dos jovens negros”
por serem negros. Há uma chacina de jovens brasileiros recrutados pelas facções
criminosas entre a população dos morros que é majoritariamente formada por
negros e pardos. Sem óculos danificados pela ideologia do conflito, sem a
tolice das dicotomias oprimido-opressor, excluído-incluído, vendo os fatos como
são, a maioria dos que morrem são pretos e pardos; e a maioria dos que os matam
são pretos e pardos. Mera estatística.
Partidos políticos que sistematicamente
antagonizam a polícia e as Forças Armadas têm razões inconfessáveis para isso.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.