Percival Puggina
“Todos têm direito à própria opinião,
mas não a seus próprios fatos”. Daniel
Patrick Moyniham
Em
1980, a jornalista Janet Cooke trabalhava na seção de temas
"Semanais" do Washington Post. Para ali ingressar, inflara
significativamente seu nível de formação profissional. Nessas condições,
escreveu um artigo - "Jimmy's World" - no qual relatou a
surpreendente história de um menino de oito anos que se tornara dependente de
heroína, levado a tal condição pelo namorado da mãe. A história causou comoção
nacional. Enquanto ela "preservava sua fonte" (o caso inteiro era uma
invenção narrada com extraordinário talento), as autoridades se empenhavam,
inutilmente, em procurar pistas que levassem à criança. Dentro do próprio
jornal surgiram dúvidas sobre a veracidade do relato. A direção, porém, bancou
a funcionária e sua matéria. Candidatou-a ao cobiçado "Pulitzer Price for
feature writting" (textos de especial interesse humano). Eram negros, o
menino, o namorado da mãe, a mãe e a jornalista. O principal postulante do
prêmio para a autora de Jimmy's World dentro da comissão de seleção era um
militante negro, interessado em revelar aos brancos a realidade das drogas na comunidade
negra.
Janet Cooke ganhou o mais cobiçado troféu do jornalismo
norte-americano, mas foi desmascarada, dias depois, porque a divulgação de seu
perfil profissional fez com que a universidade onde obtivera o bacharelado
suspeitasse de tudo mais que ela dissera sobre si mesma. E a teia das mentiras
foi se rompendo. O Post divulgou o que ficara sabendo, extraiu a confissão da
moça, e pediu a retirada do prêmio.
Há mentiras muito mais graves sendo contadas em nosso país.
Estão acobertadas pelo direito de mentir conferido aos acusados e são
referendadas pela multidão que depende fisiológica, financeira, psicológica,
política e ideologicamente de que elas sejam acolhidas e se propaguem. São
mentiras tão relevantes que poderiam ser classificadas como institucionais.
Determinam fatos políticos. Geram enorme círculo de conexões cuja ruptura põe
em riscos sistemas e esquemas. Estimulam uma densa solidariedade que, primeiro,
sai a pichar muros e colar cartazes e, depois, atiçada a adrenalina, passa a
prometer fogo e fúria.
Poderia estar relatando qualquer item de um verdadeiro
catálogo de mentiras envolvendo a corrupção do ambiente político em nosso país.
E isso, certamente, não surpreenderá o leitor. Nenhum corrupto desses de mala
de dinheiro, conta na Suíça, offshore no Caribe, chegou a tal estágio sem,
antes, ter sido um competente mentiroso. E a mentira, à qual damos tão pouco
valor, é gravíssima forma de degradação moral por corromper esse bem precioso
que é a verdade.
A infame corrente de males desencadeada pela mentira é bem
mais sinistra do que se possa depreender da simbologia infantil representada
por Pinóquio. Ela se agrava com os reforços retóricos construídos mediante
sofismas (que corrompem a razão) e com calúnias e difamações que lançam sobre a
honra alheia as indignidades do mentiroso.
Felizmente, a exemplo do que aconteceu com a senhora Janet
Cooke, o que se esconde na penumbra das conspirações um dia chega às manchetes
e a verdade vem à tona. E não como achado flutuante lúgubre de filme de terror,
mas esplendente como um anjo dourado no alto de seu campanário.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.