quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A ilusão da arma



Mario Eugenio Saturno

Ao longo dos meus 50 anos de consciência, tenho visto todo tipo de argumento a favor e contra a posse de armas. E essa discussão, curiosamente, é despertada mais quando ocorrem massacres nos Estados Unidos da América do que assassinatos no Brasil. É claro que os massacres com armas de guerra impressionam mais.

Alguns argumentos são honestos, outros completamente simplórios. A primeira a ser notada é que o porte de arma não aumenta a segurança de ninguém. Os casos em que o cidadão tem oportunidade de revidar são raros, pois, em geral, os bandidos atacam em grupo. E nessa situação desvantajosa, reagir é de extrema burrice. Basta observar os policiais assassinados, a maioria estava armada e não conseguiu reagir.

Algumas entidades estadunidenses aproveitaram o debate para destacar uma realidade que passa despercebida: o número anual de pessoas que cometem suicídio usando armas de fogo é muito maior do que o número de vítimas de homicídios cometidos com essas armas.

É o que revelam os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e é estarrecedor, pois cerca de 19 mil das 31 mil mortes por armas de fogo que acontecem anualmente nos Estados Unidos são suicídios. Isso representa 61,3% das mortes por arma de fogo.

Apesar desse número chocante, muitos simpatizantes das armas não enxergam a gravidade. O problema principal é a eficácia das pistolas e fuzis quando comparados com outros métodos. Dos que tentam se matar usando armas de fogo, 85% resultam em morte. Quando alguém tenta matar-se com outras maneiras, como o uso de medicamentos, apenas 2% do total morre. É o que preocupa as autoridades e os profissionais de saúde dos EUA.

Diversos psiquiatras e psicólogos destacam que não só se deve examinar os motivos que levaram alguém a querer tirar a própria vida, mas também é importante analisar como a pessoa tentou se suicidar. É o que pensam os cientistas da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard que criou o projeto “Means Matter” (Os Meios Importam) procurando destacar o papel de armas de fogo em suicídios.

A diretora do Means Matter, Dra. Catherine Barber, já analisou centenas de suicídios e o que mais chama a atenção é que em muitos casos de suicídio ocorreu algum evento que atuou como gatilho, como uma separação, uma discussão doméstica, ou problemas na escola.

A maioria dos que querem tirar a própria vida dedica pouco tempo ao planejamento do suicídio. Tudo é feito de impulso e se o método eleito é uma arma, há poucas chances que o suicida se arrependa de sua decisão. Os pensamentos suicidas não costumam durar muito tempo. Aparecem e logo se vão. Só uma minoria de pessoas permanece em estado suicida durante um longo período de tempo.

Já o Dr. Kenneth Duckworth, psiquiatra e diretor médico da Aliança Nacional para Doenças Mentais, afirma que nos estados com mais armas são os que têm níveis mais altos de suicídios, como Wyoming, Montana, Alasca e Nevada. Por outro lado, os nove Estados com menor número de proprietários de armas são aqueles que apresentam os menores índices de suicídio. Bons motivos para se pensar sobre essa ilusão.

Mario Eugenio Saturno (cientecfan.blogspot.com) é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano.