Quando as
imagens do massacre de Manaus me caíram diante dos olhos, lembrei-me do ditado
espanhol - "Cria cuervos y te sacarán los ojos". Naquelas cenas
reiteravam o quanto é pueril supor que há perversidades inacessíveis ao homem. Não
há. Feras não podem se humanizar, mas o contrário não é verdadeiro. E quando
acontece, a ferocidade se potencializa pela aplicação da inteligência ao mal.
Muitas vezes,
algo que parece nascido da boa intenção, tornando quase impossível ser percebido
de modo diverso, acaba prestando extraordinário serviço ao mal e a seus
objetivos. Pondere o que aconteceu com a sociedade brasileira, em avassaladora
proporção, nas últimas décadas. Para tal fim, seja seu próprio instituto de
pesquisa. Examine suas experiências de vida e as informações que lhe chegam de
variadas fontes e modos. Tenho certeza de que acabará concluindo que a nação
passou da quota na quantidade de maus cidadãos, de patifes, mentirosos,
velhacos, corruptos, traiçoeiros e dirigentes de igual perfil, cujas decisões
põem a ética e o bem de cabeça para baixo.
O que se
constata nessa observação ligeira, mas suficiente, não é causa de si mesma em
circuito fechado, mas consequência de uma atitude pedagógica aparentemente
generosa, que concede liberdade sem responsabilidade, direitos sem deveres,
prêmios sem méritos, amor sem exigências, educação sem restrição. E tolera a
falta sem punição e o crime sem pena.
Temos recebido
doses maciças disso nas famílias, nas salas de aula, nas relações sociais, no
trabalho e na política. Então, prezado leitor destas poucas linhas, se lhe
ocorre, ao lê-las, a ideia de que os cuervos
a que me refiro estão enjaulados nas penitenciárias do Brasil, crocitando e
executando sentenças de morte, ali mesmo ou nas nossas ruas e estradas, você se
enganou. É ao seu criatório que me refiro. Ele está por toda parte, está aí na
volta, combatendo a polícia, rindo da lei, declarando a morte da instituição
familiar, chamando bandido de herói e herói de bandido, fazendo novelas de TV, ridicularizando
a virtude, aplaudindo o vício, enxotando a religião, desautorizando quem educa
ou usando a Educação para fazer política e relativizando a vida (aconteceu o
que, em Manaus e Roraima, que não ocorra diariamente, com tesouras e pinças, em
salas de aborto?).
Há cuervos que não se apresentam como tal.
Não estou
afirmando que as pautas da violência se esgotem nestas que menciono. Estou
dizendo, isto sim, que o crime e a violência avançam, inclusive, por motivação
política e ideológica. E estou reafirmando, mais uma vez, que consciências ou
se formam ou se deformam. Há no Brasil um evidente empenho em criar seres
humanos com consciência de corvos.
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.