Se fosse
cirurgião político e a crise fosse um corpo humano, minha proposta seria
desconectar alguns nervos que entrelaçam economia e política. Isso é quase
impossível. Mas não deixa de ser a tarefa correta. Se a crise política
continuar interferindo na frágil situação econômica, será mais longo o caminho
da retomada, todos sofreremos mais.
O
cenário ideal seria aquele em que o Congresso Nacional discutisse as medidas
econômicas de manhã e, ao longo do dia e da noite, quebrasse o pau em torno da
política, sobretudo da corrupção. Esse idealismo esbarra em obstáculos
intransponíveis, como a divergência entre quem manda no Congresso e quem manda
no governo.
Na
discussão econômica, não seriam escamoteadas as questões políticas. Estamos
cortando os gastos de forma adequada? Quais são as correções necessárias no
movimento da tesoura?
Quem
apenas torce pela recuperação econômica tem medo de que as teses do ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, sejam contestadas e prefere não apontar correções. Mas
elas podem enriquecer o estreito caminho.
Os
cortes terão de ser feitos por um governo de esquerda, é o que temos no
momento. Na Grécia, a esquerda chegou ao poder com um projeto de rever o plano
de austeridade. Aqui, ela ainda precisa reverter a gastança. É uma etapa
anterior, para a qual está pouco preparada.
Mesmo se
conseguirmos isolar, parcialmente, a economia, é impossível acreditar que Dilma
iria muito longe. O desgaste cotidiano, acabará reduzindo seu horizonte.
A
conjugação das crises política, econômica e social é uma das mais sérias que conheci
nos últimos anos. Dilma acha que não, que estamos exagerando.
Ela
afirma que o aumento no preço da energia se deve à seca e omite seus equívocos.
Ela diz que a Petrobrás foi assaltada, mas não consegue vislumbrar, pelo menos
no seu discurso, como se produziu esse assalto.
Dilma
não reconhece as mentiras da campanha. E acredita que as pessoas vão
esquecer-se delas com um pouco de manipulação marqueteira.
O PT não
reconhece o direito legítimo de protestar contra o governo. Prefere atacar os
que protestam: são ricos, são da classe média, burgueses manipulados pela
imprensa golpista.
A tática
da negação e do confronto alimenta os protestos. É possível que alguém deles
saiba disso. Saber alguma coisa dentro do PT é extremamente perigoso. Seguir a
cartilha é mais seguro.
Nesse
quadro, não vejo outro caminho a não ser uma crise prolongada. Sem capacidade
de autocrítica e conciliação, Dilma marcha para uma rejeição mais ampla nas
pesquisas.
A manifestação de domingo, com o tema “Fora Dilma”, é uma
tentativa de desatar um dos grandes nós da crise: a incapacidade da presidente
mais despreparada do período democrático para liderar o processo mais difícil
que o Brasil enfrentou nesses 30 anos.
Os
teóricos do PT afirmam que a saída de Dilma é um golpe, pois foi eleita para
governar até 2018. Nem toda saída é um golpe. Collor, com a ajuda do próprio
PT, sofreu impeachment. No período anterior à democratização, Jânio
simplesmente renunciou.
Os
tucanos rejeitam a tese do impeachment. Não gostam de conflito. Nem os previstos
na lei. Argumentam que a sustentação política do governo sofreu um colapso. E
mencionam vagamente uma abertura para a sociedade.
Impeachment
e renúncia são diferentes de golpe. Intelectuais ligados ao governo têm falado
de um ódio contra o PT. De fato, os ânimos se exaltaram. Fala-se de um ódio
contra o PT, como se o partido fosse de anjos imaculados. Ninguém analisa o
comportamento dos seus quadros no governo ou tenta entender as causas da
rejeição.
Segundo
alguns deles, o ódio dos ricos existe porque os pobres consomem mais, vão às
universidades e viajam de avião. Em outras palavras, a razão do ódio é a nossa
virtude solidária.
O máximo
que conseguem é isto: circunscrever o processo à oposição ricos e pobres. Se os
ricos estão protestando, os pobres deveriam celebrar.
As
lentes da ideologia queimam muitos neurônios. Eles supõem que os pobres são
ressentidos e darão razão a qualquer governo ao qual os ricos se oponham.
São
incapazes de reconhecer a importância do ajuste econômico e apresentar, dentro
dele, um viés que realmente atenue o impacto negativo nos setores menos
favorecidos. Um programa de cortes teria mais credibilidade se envolvesse
alguns gastos do governo, passando pela publicidade, pelas viagens irracionais,
pela demissão em massa dos companheiros agregados à máquina do Estado.
Dilma
não tem condições de enfrentar a crise. Os intelectuais perderam-se na defesa
do governo, foram atropelados, como tantos na História, pelo fascínio da chapa
branca.
Não há
dentro do PT a energia suficiente para pensar uma saída. Apenas reflexos
defensivos, baseados nos instintos mais básicos da esquerda autoritária. Essa
estrutura mental, que projeta nos outros a causa do próprio fracasso, é um dos
pontos que me deixam pessimista em torno de um diálogo quando a crise for
sentida como insuportável.
O PT
acredita que está sofrendo uma conspiração dos ricos e da classe média. Mas
poucos movimentos na História fizeram tantos líderes ricos e elevaram tantos
militantes à classe média.
O
problema do momento não é o choque de ricos contra pobres. Gostaria de ver seu
espanto quando descobrirem isso. Ou, pelo menos, constatarem que existem
milhões de ricos no Brasil.
Domingo
ainda não vai revelar tudo. Mas será uma espécie de passagem de ano, um
réveillon político de 2015.