Valendo-nos de uma simbologia (imagem do elefante e
dos ratos), torna-se possível dar uma ideia do que vem ocorrendo com o
tradicional sistema punitivo brasileiro, que é, em termos de velocidade e de
intensidade, um verdadeiro elefante: pesado e lento. Os criminosos,
excepcionando alguns tontos que tudo fazem para ser pegos, são verdadeiros
ratos. São ágeis, astuciosos, manhosos.
Ao longo do século XX, mas
particularmente depois da Segunda Guerra Mundial, acreditou-se que seria
possível conter ou controlar (“combater”) os ratos com o velho elefante (com
o sistema penal tradicional), desde que alguma mobilidade extra lhe
fosse dada. O legislador, assim, se encarregou de iniciar a sua deformação
colocando algumas rodas mecânicas nas suas patas, ou seja, aprovando
incontáveis leis penais.
Logo se percebeu que a
velocidade do elefante, mesmo já deformado, ainda assim, era incompatível com
a rapidez da criminalidade (dos ratos). O processo de motorização e, depois,
de turbinação de suas patas deu-se nas três últimas décadas do século XX
assim como na primeira do século XXI: modificação constante do Código penal,
agravamento das penas, abuso das prisões provisórias etc.
Consequência: o elefante (o
sistema punitivo tradicional) tornou-se irreconhecível. Mas nem assim todos
os ratos foram devidamente punidos (ou deixaram de cometer seus crimes). O lento elefante hoje está bastante
parecido com um hipopótamo ou com um dinossauro. Estrangularam e deformaram o
velho elefante (o velho sistema penal), que a cada dia vai perdendo suas
configurações clássicas (e ganhando um novo “design”). No lugar da tromba
estão colocando chifres e assim por diante. Mas a eficácia do sistema
continua extremamente precária.
A impunidade, que é inerente
a todos os sistemas penais, no Brasil, continua muito alta. A força da
lei penal (do castigo penal) incide em pouquíssimos casos (menos de 10%,
consoante Baratta, citado por Vera Pereira de Andrade, 2012, p. 139). Quando
o criminoso é pego (selecionado) e é mandado para o cárcere, aí ele percebe o
quanto é pesado (e desumano) esse castigo.
Praticamente tudo que a
Europa e os Estados Unidos inventaram para “combater” a criminalidade aqui se
testou (particularmente nos últimos 40 anos). De 1940 a agosto de 2013 foram
aprovadas 149 leis penais, sendo 72% punitivas. Foi com esse formato
mastrodôntico que o sistema penal chegou no século XXI: hipertrofiado,
confuso, caótico e populista (veja nosso livro Populismo penal midiático:
Saraiva, 2013) etc.
Trata-se de um elefante
completamente deformado! Ainda continua andando lentamente (leia-se: o
sistema penal funciona uma vez ou outra, seletivamente) e é pouco eficaz na
prática (o índice da cifra negra aumenta a cada dia). Quanto atua, entretanto
(leia-se: onde coloca sua pata), faz um estrago tremendo: a força e o peso da
sua pata praticamente esmagam os ratos que são alcançados. Mas são poucos os
criminosos processados e condenados. Beccaria dizia (em 1764) que seria
melhor penas não tão rígidas, mas certas, infalíveis. No Brasil fazemos o
contrário: penas duras, para incidir em poucos casos. O criminoso, de cara,
já sabe que sua chance de impunidade é de mais de 90%. Todos os anos o Brasil
gasta mais com segurança (veja números do Fórum da Segurança Pública) e nada
de diminuir os crimes. Estamos fazendo a política errada, puramente
repressiva. Sem prevenção, nunca o crime vai baixar.
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