quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Sadomasoquismo: para os adeptos, a dor que não machuca

Paloma Quintão


BDSM leva o jogo erótico de dominação para o dia a dia até nos afazeres domésticos mais simples

Quando se pergunta o que é o sadomasoquismo, todo mundo já tem uma resposta na ponta da língua: é sexo selvagem, é gostar de apanhar e de bater. O que poucos sabem é que esse tipo de desejo não se limita ao ato sexual. As práticas do BDSM, sigla que traduz os princípios do sadomasoquismo (Bondagismo – a arte da amarração -, Dominação, Sadismo e Masoquismo), envolvem dominação física ou psicológica. Esse universo pode incorporar práticas banais e até mesmo não consideradas sadomasoquistas para os “leigos”. Por exemplo, como homens que gostam de ser explorados financeiramente e até mesmo que se deliciam em realizar tarefas domésticas. Mulheres, ficaram interessadas?

A curiosidade em torno do universo sadomasoquista foi o que incentivou a pesquisa “A dor no corpo: identidade, gênero e sociabilidade em festas BDSM no Rio de Janeiro” da mestre em Ciências Sociais, Marília Loschi. Em meio ao burburinho que o livro 50 Tons de Cinza, da inglesa E L James lançado na última quarta-feira está causando, cresce o interesse por essa prática que não tem só a dor como forma de prazer. Segundo informações do site gasmask.wordpress.com, cócegas e arrepios e outras sensações também fazem parte dos rituais.

A pesquisadora confirma a ideia: “É plenamente possível que uma pessoa pratique o BDSM sem o menor interesse em sofrer ou causar dor física. São milhões de possibilidades que ultrapassam o bater-apanhar, mas todas elas envolvem algum tipo de entrega de si ao poder de um outro,” explicou Marília Loschi. Em se tratando de entrega, é impossível associá-la à dominação. Nas festas promovidas pelos adeptos do BDSM, quem domina é chamado de domme. Já quem está por baixo é o bottom.

Marília conta que, no início de sua pesquisa de campo, passou por uma situação engraçada. Como foi à festa usando um colar, acessório típico das mulheres, e símbolo de submissão para os praticantes, eles achavam que ela tinha um “dono”, quando na verdade, era uma “baunilha”, termo usado para se referir aos não-praticantes. “Fui à primeira festa com um colar que parecia uma coleira e, se eu não tivesse tirado, poderia ter recebido tratamento de encoleirada, com dono a noite inteira”, relembra.

Entre as taras do BDSM, há destaque especial para o modo como se vestem: o chamado dresscode. Látex, botas de cano longo, roupas de couro e muitos acessórios são liberados. Claro, não se pode esquecer das máscaras, que dão o tom excitante do mistério às festas. O importante é sempre haver uma “safeword”, código para dizer: “A brincadeira acabou.”, para sinalizar ao outro quando se chega ao limite. A estratégia da safeword pode ser palavra secreta ou gesto que se combina previamente entre os parceiros.

Quanto aos subgrupos do BDSM, são de uma incrível variedade. Porém, provavelmente os que despertam mais curiosidade são justamente aqueles que causam mais estranheza, como, por exemplo, o Breathplay, no qual é provocada a asfixia do participante. Mesmo sem comprovação científica, seus praticantes acreditam que a pouca quantidade de oxigênio na circulação causa mais prazer.

Para Marília, sua pesquisa mostrou que o universo do sadomasoquismo está longe de ser um território onde tudo é permitido, sendo também uma forma de estabelecer relações altamente reguladas. “As festas, longe de serem um espaço de liberação total, onde todos podem satisfazer livremente suas fantasias, são um lugar de regulação social muito importante para quem se diz adepto do BDSM.,” Ela conclui que “Em meio a muita diversão, as festas são vivas e lúdicas. Reúnem pessoas que estão ali para conversar, beber, estar junto. Elas parecem estar muito menos preocupadas em transgredir, chocar e violar a sociedade do que se poderia imaginar. Ao contrário, instauram uma ordem própria de existência não muito diferente daquela dos ‘baunilhas” (os não-praticantes).”

Será que sou normal?

Esta pergunta passa pela cabeça de muitos dos adeptos do sadomasoquismo. Afinal não é comum encontrar pessoas que falem abertamente sobre fantasias sexuais, envolvendo mulheres amordaçadas e uso da dor como uma das formas de satisfação. Afinal, dor está associada na sociedade ao sofrimento. Outro problema envolvendo o BDSM é que muitas de suas práticas podem ser confundidas com a manutenção da submissão feminina ou um mesmo um desvirtuamento moral. Porém, esse tipo de desejo é algo mais complexo e, para muitos, bem prazeroso.

Adepto há 12 anos, GasMask tem forte opinião formada sobre o BDSM que, segundo ele, não representa somente dor, mas também pode ser definido como uma viagem sensorial e, claro, um estilo de vida, como tantos outros.

Nesse universo, existem limites entre os próprios participantes. Para os adeptos do sadomasoquismo, o uso da violência não ocorre de forma indiscriminada, ao contrário, os limites são predeterminados entre os participantes, como conta GasMask, que é dono de um site direcionado ao tema e que esclarece dúvidas dos não-praticantes: “A violência não autorizada é amplamente condenada. Não fazemos nada sem a pessoa realmente querer. Muitas pessoas acabam confundindo os termos por associar práticas sadomasoquistas à violência, o que não é verdade.”

Há um princípio básico que rege o BDSM: São, Seguro e Consensual (SSC). GasMask garante que ninguém reclama de estar “recebendo mais do que pediu’’. Em se tratando das mulheres, a situação também é delicada. A música “Um tapinha não dói”, interpretada por uma funkeira, nem sempre condiz com o que pensa a sociedade, que aparentemente não tolera esse tipo de comportamento. “A mulher pede para começar e pede para parar. Ninguém pode simplesmente dizer ‘tô nessa’ e sair batendo em todo mundo sem permissão, sem saber se controlar,” explica Mask.

Ele começou cedo no BDSM, aos 16 anos. Hoje, aos 28, relembra que sentia impulsos diferentes da maioria dos adolescentes de sua idade, que gastavam um bom tempo apreciando as beldades nuas em revistas masculinas. Gostava mesmo era de máscara, látex, botas e mulheres dominadas. Estranho? Não para GasMask, que acredita este sentimento sempre esteve presente: “Só faltava a descoberta”.

Seu nome verdadeiro não é revelado pelo hábito dos apelidos na Internet e também para manter a privacidade. “De certa forma, não cairia bem seu chefe descobrir que você é do BDSM. Certas coisas também não devem ser tão escancaradas”, ironiza. Além disso, até perseguições religiosas já aconteceram: “Recebemos ameaças nas redes sociais de religiosos falando que éramos do demônio”. Apesar desses episódios, GasMask não deixa de encorajar as pessoas que se identificam: “Costumo dizer que sempre tem alguém BDSM por perto. Portanto, não desista.”

Para conferir a tese na íntegra, acesse: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2788

Para saber mais sobre BDSM, sua história, subgrupos, vocabulário e ter contato com esse universo, acesse gasmask.wordpress.com