* Marcelo Dias
O STF anunciou o fim da exigência do diploma de jornalismo. Ledo engano. Por oito votos a um, os distintos de toga acham que se vingaram da imprensa por aquilo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chama de onda de denuncismo. A mesma que trouxe à praia os atos secretos do Senado; as gargalhadas da ministra do Turismo, Marta Suplicy, à época da crise aérea; o mensalão do José Dirceu; o mensalinho do Severino; as torturas praticadas na ditadura e por aí vai. Como ficou comprovado, não havia denúncias, mas sim fatos. E
fatos devem ser investigados e não varridos para debaixo do tapete. Se as autoridades não fazem a sua parte, paciência. Mas a imprensa está a postos para ajudar-lhes com dados e, claro, dar-lhes trabalho e o que fazer. Quantas e quantas vezes neste país investigações se criaram a partir do noticiário? Ao comparar sarcasticamente os jornalistas a chefes de cozinha (muitos, por sinal, fazem um trabalho maravilhoso), o presidente do STF, Gilmar Mendes, zomba de quem o tem importunado com fatos inconvenientes. Mais ainda: espezinha a categoria Diploma de Jornalismo dizendo que não é preciso conhecimento científico nem treinamento para ser jornalista. Não pode nem o STF nem o governo compactuarem com o aparelhamento do Estado, tentando controlá-lo a todo custo. A democracia depende de uma imprensa livre. Na maior de todas, onde bate o ponto o homem mais poderoso do planeta, o presidente Richard Nixon foi obrigado a renunciar nos EUA após dois anos de reportagens do Washington Post, em 1974. O Irã acaba de passar por uma eleição
fraudulenta e o que fazem os aiatolás? Censuram a imprensa. Querem igualar o Brasil a repúblicas como Venezuela e Bolívia, onde a dupla Hugo Chávez e Evo Morales tenta cercear a imprensa a todo custo. E a mesma prática começa a ganhar campo na Argentina. Ah, mas Carl Bernstein e Bob Woodard, os repórteres do Post, eram advogados, diz Gilmar Mendes. Sim, mas nos EUA é comum jornalistas serem formados em direito e ciências sociais, desde que com pós-graduação em jornalismo. Esse detalhe o presidente do STF não disse. E tal pensamento põe em risco. todas as carreiras oriundas da área de ciências humanas. Dentre elas, o próprio direito. Ao afirmar uma atrocidade dessas, o ministro abre um perigoso precedente para advogados, psicólogos, antro-pólogos, sociólogos, publicitários, relações-públicas e assistentes sociais, entre muitos outros. Diz que o jornalista não deve ter a exclusividade da emissão de opinião no país, que qualquer um pode fazê-lo e, portanto, não deve haver diploma para a área. Um jornalista não emite opinião, para começo de conversa. Ele apura e relata fatos de maneira isenta, ouvindo fontes, consultando documentos, visitando lugares e dando voz a todos os envolvidos na questão. Um jornalista tem o que se chama de procuração virtual da sociedade para representá-la questionando, por exemplo, os valores da construção da Cidade da Música, os gastos nos Jogos Pan Americanos, a truculência policial nas favelas e o custo caro da gasolina nas bombas apesar da queda do preço do barril do petróleo. Muitos acham que, por não saber leis, noções de neurocirurgia e outras coisas do gênero, um jornalista não pode escrever sobre o que não entende. Mas o seu
trabalho é ouvir aqueles que manjam do assunto. Imagine se médicos assumissem a pena para denunciar um supervírus na emergência de um hospital. Quem ouviria a direção, pacientes, parentes de mortos, en-tidades de classe, prefeitura e governo com isenção, sem corporativismo? Não seria o médico, que não assinaria a reportagem. Será que um policial escreveria sobre grupos de extermínio e milícias formadas por colegas de farda ? Um professor iria apurar as falhas da rede de ensino e a elevação nos índices de analfabetismo? Servidoresrevelariam as mordomias obtidas no funcionalismo, atos secretos e gastos com cartões corporativos dos colegas? Pois o jornalista tem isenção para isso tudo porque representa a sociedade. A desculpa usada foi a de que a profissão foi regulamentada por um decreto da ditadura que criava a Lei de Imprensa. Que se mude a legislação, então. Categoria alguma, aliás, deve ter privilégio como o da finada lei. Mas o STF diz que não cabe nova lei. Como assim, cara-pálida? Desregula-menta-se uma profissão inteira, sem mais nem menos? Na grande imprensa, nada mudará. O tempo dos jornalistas sem faculdade se foi há muito. O nível educacional do país desabou e as chances de surgirem um novo Zuenir Ventura são as mesmas de se acertar as dezenas da Mega Sena. Ah, e os articulistas como o Arnaldo Jabor? Estes sempre foram colunistas convidados para dar suas opiniões, jamais para escrever reportagens, apurar, ir às ruas com bloquinho na mão nem nada parecido. Jornalismo é e será algo exclusivo dos jornalistas (repórteres, editores, fotógrafos,
produtores ..) No mercado, pode haver mudanças em publicações segmentadas, em nichos muito específicos, como em revistas especializadas em aviação, arquitetura ou engenharia. Nesses casos, é possível que jornalistas percam a vez para engenheiros e arquitetos. Mas é preciso que essa gente saiba, no mínimo, escrever em português e não em termos técnicos. Advogados e economistas, por exemplo, são duas raças que desconhecem a última flor do Lácio.
O STF anunciou o fim da exigência do diploma de jornalismo. Ledo engano. Por oito votos a um, os distintos de toga acham que se vingaram da imprensa por aquilo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chama de onda de denuncismo. A mesma que trouxe à praia os atos secretos do Senado; as gargalhadas da ministra do Turismo, Marta Suplicy, à época da crise aérea; o mensalão do José Dirceu; o mensalinho do Severino; as torturas praticadas na ditadura e por aí vai. Como ficou comprovado, não havia denúncias, mas sim fatos. E
fatos devem ser investigados e não varridos para debaixo do tapete. Se as autoridades não fazem a sua parte, paciência. Mas a imprensa está a postos para ajudar-lhes com dados e, claro, dar-lhes trabalho e o que fazer. Quantas e quantas vezes neste país investigações se criaram a partir do noticiário? Ao comparar sarcasticamente os jornalistas a chefes de cozinha (muitos, por sinal, fazem um trabalho maravilhoso), o presidente do STF, Gilmar Mendes, zomba de quem o tem importunado com fatos inconvenientes. Mais ainda: espezinha a categoria Diploma de Jornalismo dizendo que não é preciso conhecimento científico nem treinamento para ser jornalista. Não pode nem o STF nem o governo compactuarem com o aparelhamento do Estado, tentando controlá-lo a todo custo. A democracia depende de uma imprensa livre. Na maior de todas, onde bate o ponto o homem mais poderoso do planeta, o presidente Richard Nixon foi obrigado a renunciar nos EUA após dois anos de reportagens do Washington Post, em 1974. O Irã acaba de passar por uma eleição
fraudulenta e o que fazem os aiatolás? Censuram a imprensa. Querem igualar o Brasil a repúblicas como Venezuela e Bolívia, onde a dupla Hugo Chávez e Evo Morales tenta cercear a imprensa a todo custo. E a mesma prática começa a ganhar campo na Argentina. Ah, mas Carl Bernstein e Bob Woodard, os repórteres do Post, eram advogados, diz Gilmar Mendes. Sim, mas nos EUA é comum jornalistas serem formados em direito e ciências sociais, desde que com pós-graduação em jornalismo. Esse detalhe o presidente do STF não disse. E tal pensamento põe em risco. todas as carreiras oriundas da área de ciências humanas. Dentre elas, o próprio direito. Ao afirmar uma atrocidade dessas, o ministro abre um perigoso precedente para advogados, psicólogos, antro-pólogos, sociólogos, publicitários, relações-públicas e assistentes sociais, entre muitos outros. Diz que o jornalista não deve ter a exclusividade da emissão de opinião no país, que qualquer um pode fazê-lo e, portanto, não deve haver diploma para a área. Um jornalista não emite opinião, para começo de conversa. Ele apura e relata fatos de maneira isenta, ouvindo fontes, consultando documentos, visitando lugares e dando voz a todos os envolvidos na questão. Um jornalista tem o que se chama de procuração virtual da sociedade para representá-la questionando, por exemplo, os valores da construção da Cidade da Música, os gastos nos Jogos Pan Americanos, a truculência policial nas favelas e o custo caro da gasolina nas bombas apesar da queda do preço do barril do petróleo. Muitos acham que, por não saber leis, noções de neurocirurgia e outras coisas do gênero, um jornalista não pode escrever sobre o que não entende. Mas o seu
trabalho é ouvir aqueles que manjam do assunto. Imagine se médicos assumissem a pena para denunciar um supervírus na emergência de um hospital. Quem ouviria a direção, pacientes, parentes de mortos, en-tidades de classe, prefeitura e governo com isenção, sem corporativismo? Não seria o médico, que não assinaria a reportagem. Será que um policial escreveria sobre grupos de extermínio e milícias formadas por colegas de farda ? Um professor iria apurar as falhas da rede de ensino e a elevação nos índices de analfabetismo? Servidoresrevelariam as mordomias obtidas no funcionalismo, atos secretos e gastos com cartões corporativos dos colegas? Pois o jornalista tem isenção para isso tudo porque representa a sociedade. A desculpa usada foi a de que a profissão foi regulamentada por um decreto da ditadura que criava a Lei de Imprensa. Que se mude a legislação, então. Categoria alguma, aliás, deve ter privilégio como o da finada lei. Mas o STF diz que não cabe nova lei. Como assim, cara-pálida? Desregula-menta-se uma profissão inteira, sem mais nem menos? Na grande imprensa, nada mudará. O tempo dos jornalistas sem faculdade se foi há muito. O nível educacional do país desabou e as chances de surgirem um novo Zuenir Ventura são as mesmas de se acertar as dezenas da Mega Sena. Ah, e os articulistas como o Arnaldo Jabor? Estes sempre foram colunistas convidados para dar suas opiniões, jamais para escrever reportagens, apurar, ir às ruas com bloquinho na mão nem nada parecido. Jornalismo é e será algo exclusivo dos jornalistas (repórteres, editores, fotógrafos,
produtores ..) No mercado, pode haver mudanças em publicações segmentadas, em nichos muito específicos, como em revistas especializadas em aviação, arquitetura ou engenharia. Nesses casos, é possível que jornalistas percam a vez para engenheiros e arquitetos. Mas é preciso que essa gente saiba, no mínimo, escrever em português e não em termos técnicos. Advogados e economistas, por exemplo, são duas raças que desconhecem a última flor do Lácio.
* Marcelo Dias é jornalista formado pela UFRJ