O Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+ no último ano, tornando-se um dos países mais homotransfóbicos do mundo, segundo dados do Grupo Gay Bahia (GGB) - a mais antiga ONG LGBT+ da América Latina
Uma história para se libertar das amarras sociais
"Os dezembros da minha vida", de Pedro Lopes, narra a jornada de aceitação pessoal de quatro jovens gays no sul da Bahia na década de 1970
Qual o impacto de negar a própria identidade? Na pequena cidade fictícia de Itamarã, sul da Bahia, quatro amigos gays têm as trajetórias entrelaçadas por um pacto silencioso: esconder a orientação sexual. Em Os dezembros da minha vida, Carlos, Roberto, Elias e Abraão iniciam uma jornada emocional e de aceitação pessoal em meio ao preconceito e conservadorismo na década de 1970. Escrita pelo autor baiano Pedro Lopes, a obra ilustra um retrato sensível de uma juventude forçada a viver sob as sombras da mentira, mas também disposta a desafiar a realidade opressora da época.
Quando o quarteto descobre que a população da cidadezinha está espalhando fofocas a respeito das suas sexualidades, eles decidem tomar uma atitude drástica para despistar olhares desconfiados. Passam a aderir hábitos considerados sinônimos de masculinidade, como perder a virgindade em casas de prostituição, embriagar-se e arrumar brigas em bares. Em meio ao desespero de serem descobertos, a missão dos jovens se torna provar, a qualquer custo, que são “homens de verdade”.
Nas minhas reflexões, após sair da casa de Eduardo, reconheci efetivamente que eu sentia atração por homem, mas não tinha coragem de expor minha orientação sexual publicamente. Tudo bem. Assim como tantos outros homens, eu iria viver no armário.
(Os dezembros da minha vida, p. 121)
Narrado por Carlos, em formato de um diário intimista, ele revisita dores do passado para explicar o presente dos protagonistas e retratar essas batalhas internas, com as quais tantos leitores poderão se identificar. A partir de uma narrativa crua e realista, embasada nas experiências do autor enquanto homem gay, o enredo escancara os sacrifícios realizados para enganar – e agradar – a sociedade, como as paixões reprimidas pelo medo, os casamentos de fachada e até as tentativas de suicídio.
Embora aborde as tristezas de uma vivência homossexual, Os dezembros da minha vida destaca principalmente o direito de ser feliz. Pedro Lopes estreia na ficção com um livro que faz refletir: em um mundo que ainda tenta silenciar vozes autênticas todos os dias, é importante assumir as rédeas da própria história e seguir sempre lutando por reconhecimento. Mais que tratar de temáticas LGBTQIAP+, esta obra abraça a bandeira da liberdade para acolher todas as pessoas que compartilham o desejo de se desprender das amarras sociais.
Pedro Lopes nasceu em Canavieiras, no litoral da Bahia, cenário que inspirou seu primeiro romance publicado, Os dezembros da minha vida. Além de escritor, ele é economista, mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e professor titular do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Também publicou Páginas de MPB (2021), livro que analisa a música popular no Brasil.