segunda-feira, 8 de julho de 2024

CULTURA

A busca por pertencimento de uma juventude sem norte

Em livro, João Filipe da Mata retrata diferenças sociais e processo de amadurecimento a partir do diálogo entre dois jovens de contextos distintos que se conhecem em um enterro

Depois de anos vivendo no exterior, o diplomata João Paulo retorna ao Brasil para o enterro de uma pessoa especial: sua babá, Zila. Nascido em uma família de classe média alta de Brasília, o jovem cresceu recebendo carinho e ensinamentos da cuidadora, quando até a própria mãe dele parecia manter uma distância afetiva do filho. Por isso, sempre se sentiu mais próximo da mulher contratada para trabalhar para ele do que da pessoa responsável por trazê-lo ao mundo. 

No livro Filho da Mãe, o escritor João Filipe da Mata propõe uma reflexão profunda sobre as consequências psicológicas das diferenças de classe na sociedade. Essas feridas emocionais são expostas quando o protagonista conhece Zilo, que acabou de se tornar órfão, e os dois começam a conversar sobre as próprias experiências de vida. Juntos partem em uma roadtrip até o interior de Minas Gerais com o objetivo de conhecer mais sobre o passado de Jezila, que há muitos anos tinha deixado a cidade-natal para trabalhar na capital do país. 

Escrita em diferentes vozes, a obra utiliza diversos recursos estilísticos para representar os conflitos internos vivenciados pelo personagem principal. Com dificuldade de falar sobre os sentimentos, o narrador várias vezes interrompe abruptamente fluxos de pensamento, mantém uma conexão contínua entre passado e presente, não diferencia diálogo da narração, como ainda introduz perspectivas íntimas em meio aos acontecimentos externos. 

Eu não podia viver tão longe e continuar a ler sempre os mesmos jornais. Eu não podia viver tão longe e falar apenas com as mesmas pessoas. Eu não podia viver tão longe e comer todos os dias a nossa comida. Eu não podia viver tão longe apenas. Havia vida nova ao meu redor que eu precisava conhecer. Para viver tão longe eu precisava aceitar que estava longe. (Filho da Mãe, p. 12) 

Além de precisar compreender as emoções de Zilo, que cresceu longe da mãe e sentia-se frustrado por essa falta de atenção, o protagonista passa a olhar para dentro de si para compreender como as memórias do passado moldam suas perspectivas de mundo. Por causa do trabalho, morou em diferentes lugares: conheceu Abu Dhabi, Xangai e outras cidades - de todos esses locais, sempre levou consigo uma maior bagagem cultural e a solidão não somente inerente da profissão, mas também das vivências como um homem gay na sociedade. 

Filho da Mãe é uma ficção com elementos de realidade, porque João Filipe da Mata compartilha características com o personagem que dá vida à trama. Assim como o jovem do enredo, ele é vice-cônsul, já viveu em diferentes países, faz parte da comunidade LGBTQIAP+ e é representante de uma das primeiras gerações nascidas em Brasília. Com um olhar intimista para a trajetória do autor, a obra toca em temas comuns aos contextos de muitos brasileiros que, em meio a uma juventude atravessada por complexidades sociais, econômicas e políticas, buscam um lugar para pertencer. 

Sobre o autor: João Filipe da Mata é representante de uma das primeiras gerações nascidas em Brasília. Graduado em Direito, já morou em países como Eslovênia, Itália, Emirados Árabes e China, onde trabalhou em embaixadas e consulados brasileiros. É servidor público do Ministério das Relações Exteriores e atualmente vive em Sydney, na Austrália. Filho da Mãe é seu romance de estreia.