quinta-feira, 27 de junho de 2024

CULTURA

O judeu refugiado que encontrou no Brasil os motivos para recomeçar

Solly Andy Segenreich escreveu "Locomotiva dos sonhos" para eternizar a história da família que fugiu do holocausto e do stalinismo, e atravessou o oceano em busca de um novo lar

Em 1956, Solly Andy Segenreich tinha apenas dez anos quando desembarcou no Rio de Janeiro. Curioso pelas belezas da capital carioca, logo se deu conta de que teria de recomeçar do zero mais uma vez. Nascido na Romênia, em um lar judeu, ele emigrou pela primeira vez, com os pais, para Israel, e depois para o Brasil, em busca de um futuro melhor. Agora, ele publica a autobiografia Locomotiva dos sonhos para manter viva a trajetória da família e mostrar à neta Helena o passado que a trouxe até aqui.

Dedicado à menina de nove anos, este livro de memórias é muito mais do que um relato sobre o antissemitismo e as dificuldades frente à Segunda Guerra Mundial. Entre a escrita envolvente, as fotografias familiares e registros históricos, Solly narra dores, erros e acertos de um homem que atravessou oceanos para realizar sonhos e viu seu caminho se entrelaçar com a História.

Dividida em 12 capítulos, a obra oferece uma retrospectiva dos desafios que Solly enfrentou ao longo das décadas, como precisar reaprender a fazer amigos e a falar uma nova língua a cada mudança de país. Ele também relembra momentos como a chegada ao recém-criado estado de Israel; a sensação ao contemplar o azul do mar e o Cristo Redentor ao chegar no Rio de Janeiro; os três dolorosos anos em que viveu em um internato em Nova Friburgo; e o sonho de infância (frustrado) de pilotar aviões, que o levou a cursar Engenharia Aeronáutica no ITA.

Papai me levava junto para buscar a caixa cheia de válvulas. E eu ficava maravilhado vendo aqueles aviões. Uma coisa é ver o avião voando alto, outra é ver decolando na sua frente, aviões com hélice ainda, foi paixão à primeira vista. Fui algumas vezes a esse aeroporto. E quando voavam aviões da Força Aérea Israelense em cima de Raanana, bairro em Israel onde a gente morava, eu ficava olhando: “Ainda vou lá, ainda vou pilotar isso”.
(Locomotiva dos sonhos, p. 99)

Após concluir um doutorado na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, retornou ao Brasil inspirado a empreender. Construiu quadras de tênis para alugar e se tornou vendedor de falafel. Também foi professor de pós-graduação por 29 anos na PUC e ajudou a impulsionar a produção acadêmica na área da Engenharia. Mas ele sempre se sentia enquadrado na categoria "terra de ninguém", tanto que era também um conhecedor de computação gráfica aplicada a projeto de aviões, quando quase ninguém sabia o que era isso no país. Até que criou uma solução para informatizar a modelagem e o corte de tecido para as confecções de roupa, e o produto deslanchou a carreira dele como empreendedor.

Esta leitura vai emocionar não somente os aficionados por biografias, mas a todos que acreditam na possibilidade de ressignificar os traumas passados. Em uma narrativa que mistura eventos históricos e lembranças familiares, Solly provoca os leitores a estarem abertos às mudanças e aos aprendizados que crescer (e envelhecer) proporciona. Aos 78 anos, segue a máxima de ter novos projetos para se manter ativo e com vontade de viver. E é essa a mensagem que espera transmitir: as pessoas podem e devem continuar sonhando, fazendo planos, mesmo diante das adversidades.

Sobre o autor: Solly Segenreich é engenheiro aeronáutico formado pelo ITA, mestre pela COPPE e doutor em aeroelasticidade por Stanford. Empresário do ramo de sistemas computacionais para confecção de roupas, avô da Helena e, aos 78 anos, um inquieto inventor de coisas que ainda podem ser úteis. Vive na sua oficina, mexendo com fios e circuitos eletrônicos, sempre se desafiando. Conheceu de perto, por duas vezes, a solidão e a esperança dos judeus exilados pelo Holocausto – primeiro em Israel e depois no Brasil, país que ama e adotou como seu em 1956, aos 10 anos de idade, quando imigrou para cá disposto a um novo recomeço após deixar a Romênia.