terça-feira, 14 de maio de 2024

GERAL

As crianças no telhado com os pais: duas gerações, duas percepções para a mesma vivência

*Claudia Coser

Acompanho há alguns dias a repercussão que a charge do cartunista João Galvão provocou nas redes sociais. Não é novidade que a comunicação tem pelo menos dois interlocutores: o que emite a informação e aquele que a recebe. Por mais que o emissor se esforce para que o receptor compreenda, o espelhamento nunca acontece, porque depende muito de toda a tecitura cultural, cognitiva, política, situacional de cada pessoa. Ocorre que, em redes sociais, os filtros são coletivizados e as individualidades são adensadas em posicionamentos que se polarizam.

A charge dividiu as opiniões basicamente em dois posicionamentos:

  • Das pessoas que entenderam que a charge expressava a inocência das crianças diante da enchente que atingia o telhado;
  • Das pessoas que entenderam se tratar de "deboche", "piada de mau gosto" com a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul;

O autor da charge se manifestou, indicando que a intencionalidade estava em retratar a inocência da menina que “entende que cada gota a mais que cai do céu fará o nível da água subir”, inclusive “uma gota de lágrima”.

Longe de defender um dos posicionamentos, levanto aqui uma percepção da charge, que difere dos anteriores e até mesmo do autor.  Tem muito a ver com o que venho trabalhando há alguns anos. 

Para mim, a charge comunicou a espessa distância de consciência entre duas gerações acerca da mesma vivência no contexto dos desafios climáticos. Vamos aos elementos que sustentam a minha compreensão:

  • Há mais de dez anos, a Associação Americana de Psiquiatria categorizou a Ecoansiedade entre crianças, adolescentes e jovens. Ou seja, há muitos anos, as crianças têm acesso a conteúdo sobre as mudanças climáticas, e manifestam níveis diferenciados de insegurança.
  • Crianças, adolescentes e jovens se perguntam com preocupação desde cedo: em quais condições o Planeta Terra estará durante a minha vida toda? Pesquisas confirmam que mais de 85% desses públicos no mundo têm elevada incerteza sobre o próprio futuro, considerando as Mudanças Climáticas.

A percepção da menina na charge, para mim, sinaliza a compreensão de que enchentes como essas serão cada vez mais frequentes. Lamentavelmente, o medo das crianças de hoje está relacionado aos desastres provocados por desajustes ambientais, sobre a própria infância, suas famílias e suas vidas. As migrações climáticas estão cada vez mais intensas e frequentes.

Mais do que nos perguntarmos sobre a intencionalidade do cartunista, precisaremos fazer transições importantes e assumir corresponsabilidade junto a governos, empresas e terceiro setor. Deveremos transformar o modo como consumimos, produzimos e nos relacionamos com a natureza, em benefício das gerações viventes do agora e do futuro. 


*Claudia Coser é doutora e mestre em Administração na área de Estratégia e Organizações e fundadora da Plataforma Nobis.

Sobre a Plataforma Nobis: Atua na implementação de práticas ESG (princípios de meio ambiente, social e governança) em empresas de médio a grande porte, a exemplo da BASF e da Cargill. Conta com uma rede de mais de 60 especialistas responsáveis por gerar impacto ESG, prestando serviços que vão desde a implementação de projetos socioambientais, passando pela comunicação adequada para social branding, certificação dos investimentos em impacto e consequente expertise (how-to-do) e autoridade para palestras, treinamentos, implementação e incorporação de projetos permanentes, formas de investimento privado, comunicação e certificação de ações ESG. É signatária do Pacto Global desde 2020 e comprometida com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos projetos que desenvolve, contando com a carta de Recomendação dos Escritórios das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS). É reconhecidamente sustentável e inovadora, sendo finalista do prêmio “Empresa Inovadora em Sustentabilidade”, organizada pela FIEP/SESI.