ANÁLISE | Qual é o impacto do cadastro
positivo na vida do consumidor brasileiro?
Por
Guilherme de Almeida Prado

Na
análise da lei anterior – em vigor desde 2011 – pode está a explicação para
tamanho otimismo do governo. Como a inclusão no banco de dados de bons
pagadores era realizado apenas mediante a solicitação do consumidor às
instituições financeiras, esse registro era irrelevante para a análise de
crédito pela baixa adesão do brasileiro. O novo cadastro positivo terá uma
inclusão automática do consumidor que contará, também, com uma pontuação
específica que leva em conta a adimplência em operações de crédito e no
pagamento de contas de serviços continuados: água, telefone, luz e
esgoto.
Não
tenho dúvida de que o cadastro positivo deva aumentar a competição. Hoje, na
prática, os cinco grandes bancos possuíam informações de boa parte dos consumidores,
enquanto outros playersdo
mercado financeiro, incluindo as
fintechs, possuíam apenas a informação se a pessoa estava
negativada ou não. Para se ter uma ideia do impacto da aprovação, no modelo
anterior, com a inclusão opcional, apenas 11 milhões de brasileiros estavam no
cadastro positivo. Com a adesão obrigatória – modelo no qual quem quiser pode
pedir a exclusão –, o número de brasileiros no cadastro deve multiplicar por
10. Vale lembrar que o impacto da mudança não será imediato; o cadastro
positivo entra em vigor em 90 dias e os bureausde
crédito só podem divulgar os scores60
dias depois. Ou seja, só vamos começar a usar o cadastro no mínimo em 150
dias.
Mas,
qual será o impacto do cadastro positivo na vida dos brasileiros passada a fase
de implementação? Na análise dos beneficiários efetivos, hoje, metade da
população adulta no Brasil está negativada, ou seja, tem acesso a crédito
praticamente nulo. Nesse universo, em várias famílias de baixa renda com quatro
pessoas, por exemplo, três estão negativadas. Com isso, só uma tinha acesso a
crédito. Essa única pessoa acabava se endividando por toda a família, gerando
um ciclo vicioso. Com o cadastro positivo vai ser possível identificar quais
pessoas são boas pagadoras dentro desse grupo. A partir desse momento, os
bancos, financeiras e fintechs começarão a ofertar crédito para parte desse
grupo. Além disso, quem estava negativado não tinha nenhum incentivo para pagar
outras contas. Se você estava com orçamento apertado e não conseguiu pagar uma conta,
você era negativado e não conseguia mais acesso a crédito. Na prática,
funcionava como um incentivo para não pagar várias outras contas.
Um
ponto interessante da medida é que autônomos têm muitas dificuldades para obter
renda, pois grande parte está no mercado informal. O cadastro positivo vai
permitir identificar quem são os bons pagadores e aumentar o crédito para essa
parcela da população que está criando o autoemprego em um cenário de desemprego
que ultrapassa a casa dos 13 milhões de pessoas, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O
Brasil possui um setor financeiro robusto e celebrado mundialmente pela
inovação tecnológica, mas enfrenta um desafio enorme ao constatar que não
atende integralmente a população que mais precisa do crédito: a de menor renda.
Entre os brasileiros, 60% da população do país vive com até R$ 22 por dia, ou
seja, 112,4 milhões de pessoas. Em contrapartida, os serviços financeiros
adequados, acessíveis e que agregam educação para o uso mais consciente do
dinheiro embora essenciais são escassos. A inclusão financeira está diretamente
relacionada ao acesso e ao uso com qualidade dos serviços financeiros e capazes
de conceder statusde
cidadania financeira, indicando políticas inclusivas associadas à efetivação de
direitos. O novo cadastro positivo opera nesse sentido. Mas, cabe lembrar que,
na prática, há um contexto preocupante. De acordo com a Tese de Impacto em Serviços
Financeiros– conduzida pela Artemisia – os brasileiros mais
vulneráveis não têm acesso a crédito; veem os serviços financeiros com
desconfiança; associam crédito à renda/poder aquisitivo; e não têm o hábito de
poupar. Esse mapeamento mostra que no país, a educação financeira é um desafio
a ser enfrentado e que se mostra ainda mais relevante com o cadastro positivo
que traz a expectativa de mais acesso ao crédito.
| Guilherme de Almeida Prado
Com
mais de 15 anos de experiência empreendedora, Guilherme de Almeida Prado é
empreendedor de negócios de impacto social serial. Fundou a Konkero – portal
com a missão de transformar a vida financeira de milhões de brasileiros –, a
KeroGrana e a Central da Catarata. O especialista em
finanças pessoais é graduado e mestre em Administração de empresas
pela EAESP-FGV.