Percival Puggina
Quando
comecei a tomar consciência do tempo e da história, firmei a convicção de que,
para um jovem do meu tempo, velharia, passado morto e sepultado era o século
XIX. Fluíam, deliciosos, os anos 60 (“Quem os viveu, viveu!”, morreremos todos
proclamando) e remotas, então, eram as guerras napoleônicas, o Império,
Bismarck, as polainas e o bigode retorcido do meu avô materno. Recente era a 2ª
Grande Guerra; atual era a Revolução Cubana. Ah! Serviam-nos – felizes que
éramos – os esplendores da contemporaneidade!
Já
vão quase duas décadas desde que, na virada do século, uma pá de poeira cósmica
foi jogada sobre essa enfatuada autoexaltação, exonerando-a do tempo
presente. Quem tem 18 anos hoje nem sabe
o que seja bug do milênio... Aliás, o computador, a Internet, a ponte de
safena, a vacina contra a gripe e o telefone celular estão por aí, mas são
coisas de um século que ficou lá atrás.
Em
meados do mês passado, nas confortáveis instalações da Florense, em Flores da
Cunha, realizamos o 6º Colóquio do grupo Pensar+, sobre o qual já tenho falado
a meus leitores. Temas centrais do evento: inteligência artificial, machine learning, deep learning. O futuro, enfim. E, claro, a minha obsolescência.
Bem sei que isso é assim
mesmo. Periódica e inexoravelmente, o sino da História dobra finados pela sina
dos tempos que findam. Mas convenhamos, foi a primeira vez que essa sensação me
acometeu profundamente e sinto-me no dever de refletir sobre ela. Há que
aprender dela. Se possível já. Tenho pensado, então, sobre a obsolescência
programada das coisas humanas. Fomos feitos para dar defeito num certo tempo e
não conseguimos retirar esse pecado original das coisas que fazemos. Como
superar a sensação de ser fagulha peregrina, que uns poucos veem arder, e
passa? Onde encontrar sentido para o que parece errático e finalidade para o
transitório? Onde depositar a chama da nossa esperança?
Reparto,
pois, com meus leitores, o que aprendi, há bom tempo, do irrequieto Agostinho:
só em Deus minha alma encontrará sossego. Percebi, vendo o justificado
entusiasmo dos jovens com as potencialidades abertas pela inteligência artificial, que eu preciso –
preciso! – ser parte de algo que o tempo não devore e que as novidades não
sufoquem. Coloco minha vida e estes tempos de inteligência artificial nas mãos
de quem dizemos Senhor da História porque o futuro Lhe pertence. Seja Ele, então, Senhor de nossos dias. Acho
que isso também é deep learning, em
dimensão humana.
* Percival Puggina (73), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do
grupo Pensar+.