Percival Puggina
Como entender esse sentimento de
inferioridade, de desapreço em relação a nós mesmos, sendo herdeiros de uma
história e de uma cultura tão ricas? Qual a causa desse rastejar em culpas e
remorsos, como se ser brasileiro equivalesse a viver num estuário de vilanias e
maldições?A visão negativa a que me refiro iniciou
com a propaganda republicana. No entanto, nada fez tanto estrago à nação quanto
o discurso esquerdista ao suscitar conflitos sem os quais sua ação política
entra em coma.
É como se a história do Brasil fosse uma
reportagem de horrores que começa com genocídio indígena e escravidão. A partir
disso não tem mais cura nem conserto. Ora, qual país não registra páginas
escuras em seus anais? Qual não viveu ou criou situações assim? Não conheço
outro, contudo, que as traga de modo permanente à luz para repudiar suas
origens desde o Descobrimento, injuriar a identidade nacional e desprezar a
própria dignidade. Desconheço estupidez análoga em outro lugar planeta!
São ideias difundidas por supostos
estudiosos dos temas nacionais que se aborrecem com o fato de nosso povoamento
haver transcorrido no período histórico correspondente ao absolutismo
monárquico. Deprime-os a maldição de que o mercantilismo fosse o sistema
econômico então vigente. Incomoda-os saber que no século XVI foi levado o
último toco de pau-brasil, sem o qual fomos obrigados a sobreviver até hoje.
Atribuem nossas dificuldades financeiras ao ouro arrancado de nossas entranhas
(uma exploração privada, sobre a qual a Coroa cobrava 20% de imposto) e que
gerou desenvolvimento econômico e social em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo.
De fato, a Coroa portuguesa entre os
séculos XVI e XIX não regia uma economia de livre mercado, não era uma
monarquia constitucional, nem uma “democracia popular”, nem era “politicamente
correta”! Ora pombas, que coisa mais anacrônica!
Prefiro outro modo de ver a história.
Prefiro valorizar a riqueza cultural de que somos herdeiros, enriquecida pelo
aporte das varias etnias que aqui se agregaram. Nessa herança, valorizo o
idioma que falamos. Ele resulta de laboriosa construção no tempo e lança raízes
na Península Ibérica desde que, vitorioso na 3ª Guerra Púnica, o Império Romano
conquistou a região e criou a província Lusitânia. Não fosse isso, falaríamos o
idioma púnico de Cartago, ou o germânico dos suevos, ou o gótico dos visigodos.
A história do nosso belo idioma também é nossa e tem tudo a ver com a cultura e
a identidade nacional.
A religião é parte integrante da cultura
dos povos em todas as civilizações. Não há povo sem religião. Parte valiosa de
nossa identidade, então, está fornecida pelo cristianismo aqui aportado de
múltiplas formas pelos nossos povoadores. É igualmente longo, procede de Roma e
vive momentos decisivos na Ibéria do século VI, o processo de conversão
daqueles povos ao cristianismo. Também é nossa essa história.
A ideologia do conflito, revolucionária,
precisa destruir a base cultural das sociedades ocidentais cristãs. Tanto
quanto Marx viu a religião como ópio do povo, seus seguidores percebem que
precisam destruir a cultura do Ocidente. Para isso trabalhou a Escola de
Frankfurt e para isso opera parcela expressiva do mundo acadêmico brasileiro.
Como parte dessa estratégia perversa,
enquanto outros povos se orgulham de sua nacionalidade, cultuam seus grandes
vultos, enfeitam suas cidades com monumentos que os exibem à memória e
reverência de sucessivas gerações, aqui eles são escondidos. Quantos monumentos
a Bonifácio? Frei Caneca? Nabuco? D. Pedro II? Isabel? Mauá? Rio Branco?
Caxias? Patrocínio? Rui? Quantos estudantes brasileiros conseguiriam escrever
cinco linhas sobre qualquer deles?
Se não vemos dignidade em nossa
história, dificilmente a veremos em nós e muito mais dificilmente a veremos nos
outros. Seremos grotescos pichadores de nós mesmos. Tenho orgulho das minhas
raízes como brasileiro. É a política do tempo presente que me deprime.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense
de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a
Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo
Pensar+.