Percival Puggina
A mídia
tradicional vem atacando, em bloco, a divulgação de notícias falsas através das
redes sociais. Os próprios usuários das
redes, aliás, deveriam apressar-se a fazê-lo. O notável instrumento de
informação e orientação que temos na ponta dos dedos, exatamente porque
democratiza o direito de opinião, não deve agasalhar práticas irresponsáveis ou
criminosas.
Há algo mais nessa história, contudo. O
jornalismo opinativo, que perdeu parte de seu poder com o advento das redes
sociais, parece haver encontrado na pauta “fake news” o meio através do qual
pretende desacreditar as redes como tais e obstar sua crescente influência.
Ora, mais do que os fatos, é a análise
dos fatos que atua sobre os consumidores da informação. E que dizer das fake
analysis em veículos da mídia tradicional? Sou dos poucos – pouquíssimos! - que denunciam
a malignidade desse fenômeno comum, insistente, cotidiano e perigoso,
observável em certos grandes veículos. Para induzir a conclusões erradas, mas
ideológica e politicamente convenientes, fatos verdadeiros são torturados nos
porões das interpretações. É a versão, em relação aos eventos do tempo
presente, daquilo que tantos professores promovem em relação ao passado em
aulas de História.
Emitidas para produzir convencimento,
essas análises fajutas atuam sobre a sociedade de modo simultâneo, fato após
fato, mediante inúmeras e fontes, repetindo-se e se realimentando por longo
período até que o mais desatento e infrequente ouvinte, leitor, ou
telespectador não fique imune a seus efeitos.
Veja-se
o caso da moça russa. Estima-se que 60 mil brasileiros estejam visitando a
Rússia nestes dias de Copa. Durante uma fan fest, meia dúzia de rapazes fizeram
com ela uma brincadeira de muito mau gosto, levando-a a pronunciar baixarias
que a depreciavam. Não contentes com isso, expuseram o vídeo nas redes sociais.
A
conduta é condenável. Os envolvidos, para tomarem vergonha na cara, deveriam
passar um mês lavando a língua com água e sabão na Praça Vermelha antes de
acertarem suas contas indenizando a vítima. Segundo as fake analysis, porém, a
inteira população masculina do Brasil é, de algum modo, cúmplice do acontecido!
Desde que o politicamente correto tomou posse como modelo de virtudes sociais,
os brasileiros do sexo masculino passaram a ser rotulados com todos os defeitos
que a grossura possa suscitar. Admitam ou não, são machistas, estupradores,
abusadores. Não importa que o episódio da moça, em si, seja incomum a ponto de
suscitar interesse mundial e esteja desalinhado do comportamento médio dos
demais turistas.
A
conduta registrada no vídeo tem muito a ver com as baixarias que invadiram as
TVs comerciais brasileiras. Não surpreenderia colher-se algo assim após toda
sorte de depravações a que expomos nossa juventude – inclusive nossas crianças!
– em certas exposições e museus que andam por aí. Ou quando, em nome de certos
lifestyles, a vida sexual sai da intimidade, vai para as calçadas e desfila em
carros de som. É quase o que se poderia esperar da falta de limites na educação
familiar e de disciplina nos ambientes escolares. É o desagradável produto da
tolerância, da impunidade e da ruptura dos elos que unem a liberdade com a responsabilidade.
E não nos surpreenda constatar que todas essas causas, ao longo dos anos, são
promovidas nas fake analysis da mesma mídia que hoje se escandaliza quando
desembarcam na Rússia alguns filhos dessas e de tantas outras imoderações.
Recomendo, a propósito, a leitura do artigo do
médico gaúcho Dr. Milton Pires, com o título “A menina russa: ao corpo diplomático
da Rússia no Brasil e ao povo russo”. Você lerá o que a turma das fake analysis
jamais escreverá.
* Percival Puggina (73), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de dezenas
de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a
Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo
Pensar+.