Os
principais sites de notícias divulgaram, ontem (05/06), dados do Atlas da
Violência 2018. O foco das informações centrou-se no aumento da letalidade
intencional de negros e pardos e redução dela no meio da população branca. O
maior índice de crescimento se deu entre as mulheres negras.
Os
comentários correram todos para o leito habitual das fake analysis nacionais: é
tudo causado pelo racismo e pelo machismo, donde se conclui, sem precisar
afirmar, que a culpa cabe à população masculina de pele branca... As
duas palavras, principalmente a primeira – o racismo – deram tom aos
comentários jornalísticos e às opiniões das personalidades ouvidas. Fake analysis são muito mais frequentes e
enganosas do que fake news.
Tenho
certeza de que o leitor destas linhas – inteligente que é – já deve estar se
interrogando sobre quem mata quem nesse intolerável e vergonhoso genocídio. A
resposta seria bem esclarecedora se o Brasil conseguisse melhores resultados na
investigação criminal. Em novembro do ano passado, o Estadão informou que o
Instituto Sou da Paz consultara os governos de todas as unidades da Federação
sobre o índice de solução de homicídios que vinham alcançando nas respectivas
investigações. A resposta viera apenas do Pará (4%),
Rio (11%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%) e Mato Grosso
do Sul (55,2%). Mesmo assim, a amostra que daí se colhesse, referida a
homicídios esclarecidos e informando o perfil de criminosos e vítimas, seria
estatisticamente suficiente para identificar quem está matando quem nessa
guerra. Sabe-se lá por quais razões, ninguém se interessa em buscar esse
dado. Não parece difícil, porém, intuir
que o genocídio brasileiro tem quase nada a ver com racismo e machismo, e quase
tudo a ver com opção pela vida criminosa, com consumo e tráfico de drogas, e
com guerra entre facções.
Se
quisermos curar o mal, é nas zonas em que esses conflitos se originam ou se
desenrolam, independentemente de cor da pele, que se impõem as ações. Não é
digno nem bom que seres humanos vivam sob condições tão vulneráveis.
A
criminalidade “explicada” pelo racismo e pelo machismo produzia, ainda há
poucos minutos, frêmitos de indignação nos comentaristas da Globo News. É uma
sociologia que não convence no armazém da vila, mas comove, Brasil afora,
habitantes do mundo das fake analysis. Elas servem para suscitar emoções e
reações políticas, na versão atualizada da desacreditada luta de classes. É uma
tosca mistificação que nos permitiria, pelo mesmo raciocínio que a constrói,
olhando a desigual distribuição da criminalidade nas várias regiões de uma
cidade, deduzir que há bairros que matam e bairros que morrem. Arre!
* Percival Puggina (73), membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do
grupo Pensar+.