Percival Puggina
Na minha
segunda visita a Cuba, em 2002, encontrei-me com o dissidente Oswaldo Payá,
dirigente do Movimiento Cristiano Liberación. Uma figura humana admirável, que
enfrentava com tenacidade as perseguições, injúrias, restrições e ameaças com
que o regime tolhia sua ação e suas manifestações. Naquele mesmo ano, fora
distinguido pelo Parlamento Europeu com o Prêmio Sakahrov de Direitos Humanos.
Convidei-o
para jantar e nos encontramos certa noite nas circunstâncias novelescas que
relatei em “Cuba, a tragédia da utopia”. Contou-me as quase invencíveis
peripécias de seu cotidiano (nosso encontro mudou de lugar momentos antes de eu
me dirigir para lá porque o local aprazado já estava sob vigilância). Sua casa
era pichada e ele proibido de repintá-la, seu telefone grampeado, sua família
vítima de acintes e provocações. Todas as suas tentativas de participar dos
processos “eleitorais” eram bloqueadas desde a possibilidade de registro de
candidatura. O manifesto de Payá à ONU sobre o regime cubano ilustra a
contracapa da primeira edição do livro que escrevi e foi publicado em 2004.
Mediante
contato mantido através de seu irmão Carlos, que mora na Espanha, havíamos
combinado encontrar-nos novamente quando voltei a Cuba nove anos mais tarde.
Dessa feita, porém, era o meu hotel que estava sendo vigiado naquela manhã de
22 de outubro de 2011. E Oswaldo não apareceu. Morreu no ano seguinte, numa
rodovia deserta, em estranho acidente de carro.
Estou
contando isso porque tenho lido curiosas afirmações sobre uma suposta abertura
do regime, a propósito das recentes eleições. Abertura? Eleições? No sistema
cubano, quando o eleitor é chamado à urna, todo um processo de filtragem
assegurou que opositores ao regime não constem entre as alternativas a ele
apresentadas. Nas eleições de novembro de 2017, nenhum dos 200 candidatos
dissidentes conseguiu superar a barreira da respectiva comissão. Na eleição do
último domingo para a Assembleia Nacional, 605 candidatos escolhidos pelas
assembleias provinciais, disputaram as 605 vagas. Todos serão empossados, todos
estão previamente alinhados com o Partido Comunista Cubano (PCC). Nenhum
dissidente obteve mandato na mais exótica “democracia do mundo” e o futuro
ditador já está escolhido pelo partido. Chama-se Miguel Diáz-Canel e cumprirá
10 anos de mandato.
Opor-se
a isso, contestar o regime, continua fazendo mal à saúde. O notável Oswaldo
Payá virou nome de um troféu – o Prêmio Payá. Através dele, movimentos
dissidentes, sob a liderança de sua filha, Rosa Maria Payá, reconhecem o
esforço de personalidades estrangeiras em favor da redemocratização e dos
direitos humanos em Cuba. Pois nem mesmo os ex-presidentes Andrés Pastana e
Jorge Quiroga, da Colômbia e Bolívia, conseguiram
desembarcar em Havana no último dia 3 de março para receberem os troféus que
lhes estavam destinados. Foram deportados. Assim é a “abertura” e assim são as
“mudanças” em curso na ditadura imposta, há 60 anos, sobre o bom povo da ilha.
Nota do autor: Aos 60 anos
da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de
“Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.