Não
creio que adoração do Estado (estatolatria) designe de modo adequado a relação
de certas pessoas e partidos políticos com o Estado. Quem adora não se serve do
objeto de sua adoração. Um neologismo como estatoafetividade, expressando um
sentimento quase carnal, resulta mais fiel para descrever essa relação. É tesão
pelo Estado, mesmo.
O tipo de relação a que me refiro e a
perspectiva política em que se escora desbordam de toda razoabilidade. Atribuir
excessiva importância à política é mais perigoso do que não lhe conferir
qualquer valia. Colocá-la acima de tudo mais é da essência dos totalitarismos,
é uma hipertrofia de consequências nefastas. De outra parte, não encontrar na
vida um espaço para cuidar do interesse geral, numa hipótese branda, é
facilitar as coisas para aqueles que se valem do Estado para abusar do poder e
para seu bel-prazer.
Nem
tanto ao mar, nem tanto à terra, ensina conhecido provérbio português sobre a
necessidade de moderação. E essa moderação se faz necessária mesmo quando
entendemos a política como a ciência e o ofício de governar a sociedade.
Imagine, então, quão mais danosa se pode tornar a obsessão pela política quando
aplicada de modo exclusivo à conquista e à manutenção do poder, aos impulsos da
estatoafetividade!
É o que
estamos assistindo, nestes dias, no Rio Grande do Sul, um Estado que, à exemplo
da União, após o desastroso e funesto governo petista, agravado pela recessão
gerada pelo governo Dilma, afundou numa crise fiscal sem precedentes. O Estado
tem duas opções: ou deixa de pagar sua dívida com a União e fecha as portas, ou
se livra provisoriamente dessa conta por três anos e adere a um duro ajuste
fiscal que pode levá-lo a horizontes menos encardidos ao término desse prazo. E
quem se ergue para obstar a adoção de tais medidas, que envolvem privatizações
e limites para o aumento da despesa? Os mesmos que tendo recebido o poder com
as contas equilibradas produziram o desastre fiscal do Estado.
No mesmo
período, os petistas também exerciam o governo da União e nada fizeram na linha
das inexequíveis alternativas que agora apresentam. Nada obtiveram do governo
Dilma, tampouco, em acordos que poderiam ter sido celebrados – se desejados e
possíveis - numa salinha do diretório nacional ou estadual do partido, em meio
a rodadas de chimarrão. Agora, porém, aparecem cheios de ideias sobre direitos
e haveres estaduais junto à União.
A
orientar esse entrevero que se desdobra em turnos e returnos na tribuna do
parlamento gaúcho está a conduta referida acima: a obsessão pelo poder, ainda
que à custa do bem da população. Não descrevo algo inédito. É possível que em
outros estados e municípios se reproduzam situações análogas, envolvendo
diferentes partidos. O mesmo se passa, também, no Congresso Nacional. As
expectativas eleitorais para outubro vindouro, a ideia de um ajuste fiscal sem
sacrifício, tipo happy hour, e o amor quase carnal ao Estado e seus seios
murchos patrocinam o ânimo desses inacreditáveis debates.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.