Percival Puggina
“Essas questões
todas deveriam realmente ser resolvidas pelo Parlamento, mas acontece uma
questão muito singular: o Parlamento não quer pagar o preço social de decidir
sobre aborto, sobre união ‘afetiva’ e outras questões ‘que’ nos falta
capacidade institucional. Então, como eles não querem pagar o preço social e
como nós não somos eleitos, nós temos um grau de independência maior porque nós
não devemos satisfação, depois de decidir, a absolutamente mais ninguém. (...)
O judiciário decide porque há omissão do Parlamento”. (Ministro Luiz Fux, transcrição literal do áudio com
sua fala)
A
manifestação acima, que pode ser
ouvida aos 18min e 48seg deste aúdio
e lida em matéria do Estadão aqui, define
muito bem o que passa pela cabeça dos nossos “supremos”. No exercício de suas
atribuições, os onze membros do STF creem tudo poder. Julgam não estar
submetidos sequer à Constituição. Substituem-se aos congressistas para legislar
e para deslegislar. A opinião de cada um e da maioria é a própria lei. O que
seis decidem é irrecorrível. Pouco se lhes dá o que as pessoas pensam deles,
como bem observou o ministro Fux na espantosa declaração acima.
Para
ainda maior azar da sociedade, a sucessão de dois governos mencheviques do PSDB
por dois governos bolcheviques do PT formatou esse STF “progressista”, em
completa dissonância com as posições conservadoras e liberais majoritárias na
sociedade. Não se trata de dever ou não satisfações públicas; mas de usurpar ou
não atribuições de outro poder.
Alega o ministro Fux, em sua
argumentação, que o STF, por omissão do Parlamento, é chamado a deliberar em
relação a certas matérias que chegam à Corte. E então faz o que faz. Mas o que
é isto, ministro? Quer dizer que se o Congresso Nacional não “corrige” a
Constituição ao gosto do STF, o STF corrige a Constituição a contragosto do
Congresso? Que absurdo! Qualquer pessoa com alguma experiência legislativa sabe
que raramente são pautados para votação nos parlamentos projetos de relevo em
relação aos quais o autor ou autores não têm certeza de aprovação. Não é
razoável fazê-lo antes de haver maioria favorável porque projeto derrotado vai
morar no arquivo. Isso faz parte do bê-á-bá na vida parlamentar. E ministros do
STF o desconhecem?
Os
pleitos a que se refere Luiz Fux já foram longamente deliberados pelo Congresso
em seu cotidiano. E este vem decidindo não mudar a Constituição, mantendo os
correspondentes preceitos na forma em que foram definidos pelos constituintes
originários em 1988. Tal fato é de uma obviedade ululante, como diria Nelson
Rodrigues. Perante essas pautas levadas a seu exame, o STF deveria rejeitá-las
por inconformidade com a letra clara da respectiva norma constitucional.
Interpretá-la de modo diverso ou reverso candidata os julgadores a uma
paraolimpíada de língua portuguesa. Ou ao ainda mais triste papel de
usurpadores do Poder Legislativo.
* Percival Puggina (73), membro
da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e
titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.