Devo ter
recebido ao longo dos anos mais de uma centena de indignados e-mails em que
leitores pretendem me alertar para o retumbante fato de que o comunismo acabou,
morreu, kaputt. "Caiu o muro, o
senhor não viu?", perguntava e ensinava-me um desses leitores depois de
ler minha coluna em Zero Hora deste fim de semana. Respondi-lhe que em
flagrante contradição com seu arrazoado, o Brasil conta com nada menos de cinco
partidos comunistas ativos e um em organização. A estes, se acrescem outras
legendas que abrigam em seus quadros esforçados defensores desse regime.
O tema é
oportuno e me traz à lembrança numeroso grupo de políticos com os quais tenho
debatido ao longo dos últimos trinta anos em programas de rádio e TV no Rio
Grande do Sul. No clássico formato dois para lá, dois para cá, diante de
microfones e câmeras, desfilaram no lado de lá dezenas de figuras públicas,
homens e mulheres, muitos dos quais consagrados nas urnas, sempre prontos para
defender com unhas, dentes e bico do sapato os regimes cubano e venezuelano. E
não ficavam por aí. A mesma disposição se estendia à proteção do Foro de São
Paulo, à exaltação dos objetivos do bispo paraguaio Fernando Lugo, Evo Morales,
Rafael Correa, Daniel Ortega, bem como às maquinações golpistas de Manuel
Zelaya em Honduras.
Bastava a
produção dos programas convidar e eles compareciam para a exótica defesa do indefensável. Foi assim
que, repetidamente os ouvi afirmar que Cuba era uma democracia - "de outro
formato", não "burguesa" como seria a nossa, mas "definitivamente
uma democracia". Convenhamos. Democracia com presos políticos? Sem
oposição? Com eleição em lista única e fechada? Onde o regime ganha todas
porque não tem para quem perder? Pude perceber nesses debates, então, a
completa inutilidade dos fatos e dos argumentos contra a militância desse
anunciado defunto... E ainda hoje reiteram, porque convém: "O comunismo acabou.
O senhor não viu?".
Foi assim que
acompanhei, nestes dias, os acontecimentos da Venezuela, país onde o governo
resolveu golpear a população com um "socialismo bolivariano" que
outra coisa não é senão uma versão bufa do regime cubano. O povo cubano foi
apanhado, há 58 anos, por numa armadilha infernal. Os venezuelanos foram atrás
da mesma conversa, caíram em arapuca semelhante e também não conseguem sair
porque o governo estabelece embaraços ao rodízio do poder, seja por ação direta
de Maduro, que simplesmente não marca eleições, seja através do Tribunal Supremo
de Justiça. Quando ficou evidenciada a derrota do oficialismo nas eleições
parlamentares de 2015 (a oposição fez 112 das 167 cadeiras), o topo do poder
judiciário do país foi recheado por 13
novos membros para compor robusta maioria chavista.
A conclusão é
óbvia: se o comunismo acabou, se morreu, os que por ele trabalham são como
agentes funerários. Quando o Tribunal Supremo deu o golpe e assumiu as funções
da Assembleia Nacional, os agentes funerários estabelecidos nos nossos blogs de
esquerda defenderam a medida alegando que o parlamento venezuelano era uma
organização dominada pela "direita golpista". (Alô, alô, leitor? Esse qualificativo lhe soa
conhecido? Pois é.) E quando Maduro e o Tribunal Supremo, percebendo a péssima
repercussão da medida, a revogaram, esses mesmos blogs deixaram o dito pelo não
dito e noticiaram o recuo como se fosse um avanço. Tudo muito lúgubre.
________________________________* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.