O mundo do
crime declarou guerra ao mundo do trabalho. Nós produzimos e eles tomam nosso
ganho - o dinheiro do bolso, o automóvel, a carga do caminhão, o gado no pasto.
Guerra na cidade e no campo. Guerra sem
dia ou hora de armistício. Não se trava contra o Estado de Direito, que bandido
não é doido. Em muitos casos, formam um estado dito paralelo, mas não andam por
aí atirando contra quartéis, porque sabem que lá dentro há bala e, de lá, vem
bala. Não, eles querem o trabalhador da parada de ônibus, descendo do carro,
entrando em casa, saindo do banco. E, não raro, tomam-lhe a vida.
É uma guerra
desigual, assimétrica. Enquanto o mundo do crime tem armas, o pessoal do trabalho
árduo não dispõe de meios de defesa. Na tese oficial, esse seria encargo
prioritário do Estado, mas ele, há muito tempo, jogou no tablado a toalha e a
própria vergonha diante de sua impotência. O mesmo Estado, que tornou
impeditiva a posse e o porte de armas pelos cidadãos, apresenta-se à sociedade
como uma impotente, "mãos amarradas" pelas próprias leis, decisões
judiciais, carência de recursos humanos e materiais. Vendo e ouvindo o Estado, dá vontade de
parafrasear João Bosco e cantarolar: "Tá lá o Estado estendido no chão...
Em vez de reza uma praga de alguém". Estatisticamente está comprovado:
esse Estado não consegue defender o mundo do trabalho.
Em tais
condições, quando um lado está armado e o outro indefeso, toda guerra vira
massacre. É como ataque de força armada hostil contra população civil
desarmada. Deu para perceber a semelhança com as ações do Estado Islâmico?
Temos a mesma coisa aqui, de modo fragmentado, mas tão ou mais letal, com 60
mil homicídios anuais e um número várias vezes milionário de
"expropriações" ou butins levados a cabo, todo ano, pelas forças
vitoriosas do mundo do crime.
Se você
reclamar, se cobrar o direito ao uso e porte de armas, imediatamente se insurgirão as falanges
opiniáticas da esquerda, acusando-o de ser um sanguinário irresponsável, militante
pró bancada da bala, uma espécie de Comando Vermelho com sinal trocado. O massacre
das vítimas, a impossibilidade prática de promoverem a própria defesa, deveria
ser objeto de escândalo como escandalizam as ações do ISIS. Mas aqui é o Brasil
e estamos habituados aos necrológios da sociedade nas páginas policiais.
Como escrevi
outro dia, ao direito natural da pessoa humana à própria vida corresponde o
direito de defendê-la. A proibição do Estado retira-lhe a efetividade, mas por
ser ele natural, ele está ali, inerente à condição humana. É direito recusado,
mas persiste sendo da pessoa. Se a legislação me permitisse ter e portar armas,
eu até poderia, livremente, renunciar a isso.
Mas não digo o mesmo do dever de proteger a vida dos meus familiares! Eu,
ao menos, não sinto que possa dele abrir mão. É um dever moral, que considero
inerente à condição de homem de família, com mulher e filhos sob seu zelo.
Por isso, em
nome disso, mais e mais persistente deve ser o clamor nacional por um novo
estatuto sobre a matéria. Danem-se as carpideiras de bandidos, os adversários
de toda repressão sobre as práticas criminosas e as atitudes suspeitas, os
sócios do clube da maconha e otras
cositas mas; danem-se os eternos
fiscais da polícia, os censores das opiniões alheias, os esquerdinhas
militantes de todas as causas erradas. Quem assina este artigo é pacífico mas
não é pacifista, não está a soldo de nenhuma indústria de arma, não é homicida
em potencial e está indignado, sim, com o que fizeram do Brasil.
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.