É bem provável que você já tenha ouvido
falar de uma eterna luta entre a Fé e a Razão. A idéia básica desse ilusório
conflito é a de que o ato de fé envolve algo que não se pode sentir ou
compreender e que portanto você precisa optar: ou conserva a fé e perde a
cabeça ou conserva a cabeça e perde a fé. Desde antes de surgir a imprensa,
toneladas de pergaminho foram gastas para os tiroteios filosóficos que a
questão proporciona. Era a fé cega (crê ou morre) trocando chumbo com a razão
cega (não crê e morre igual).
Quando os autores clássicos foram
redescobertos, por volta do século XII, viu-se que a discussão apenas
atualizava algo que noutro nível já tinha sido abordado por Platão e
Aristóteles. E o achado não fez mais do que acrescentar sofisticada pólvora ao arsenal dos
intelectuais.
O noticiário desse antigo bate-boca
chegou até nós com a manchete de que a Igreja sempre se opôs à evolução das
ciências e do pensamento, desejosa de manter a humanidade no nível de estupidez
necessário à prosperidade da fé. Nada mais injusto e falso! A discussão sobre
as relações entre a Fé e a Razão começou e evoluiu em ambiente católico, foi
proporcionada durante séculos pelos maiores pensadores da Igreja e só encontrou
solução dentro dela. Muitos santos e doutores da Igreja - Santo Anselmo, São
Bernardo, Santo Alberto Magno, São Boaventura, São Tomás de Aquino, entre
outros - tomaram trincheira nesse debate fazendo com que, aos poucos, as idéias
clareassem. A eles se juntaram sucessivas gerações de brilhantes intelectuais
(em especial dominicanos e franciscanos) cujo prodigioso saber extasiava os
estudantes das antigas universidades. Vale lembrar que todas as grandes
universidades nasceram católicas e cresceram à sombra da Igreja.
Foi com seus próprios mestres que a
Igreja aprendeu que a Razão e a Fé se aperfeiçoam reciprocamente. Tornando-se
também nesse aspecto mãe da civilização e da cultura, a Igreja criou as
condições para que surgissem as correntes filosóficas apartadas da teologia.
Muitas delas mais tarde se voltariam contra a Igreja e contra a própria
humanidade.
A razão e a fé efetivamente se
aperfeiçoam. Mas quanta razão na fé que manifesta São Bernardo: “Que me importa
a filosofia? Meus mestres são os Apóstolos; eles não me ensinaram a ler Platão
nem a deslindar as sutilezas de Aristóteles mas me ensinaram a viver. E
acreditai: essa não é uma pequena ciência”. E não é mesmo.
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.