Lá
pelo final dos anos 80, tempo de fugazes trombadinhas e corruptos de pouca
monta, os escândalos sob investigação desembocavam, quase sempre, em um sujeito
qualquer, desprovido de poder, recursos e notoriedade. "Mas esse sujeito
aí, humilde Zé Ninguém, é o pivô do cambalacho?", perguntavam-se os
primeiros repórteres ou investigadores a chegar até ele. Claro que não. O
sujeito era, apenas o laranja da história. O figurão estava sempre um ou dois
passos além.
Já
vivemos períodos assim, em que os corruptos, envergonhados, se escondiam atrás
de seus laranjas. Com o tempo, inclusive, começaram a aparecer os
profissionais, dotados de raras e bem remuneradas habilidades. Ser laranja
exigia simultânea combinação de discrição e audácia. E lealdade. E
comprometimento. Um bom conjunto, como se vê, de virtudes indispensáveis ao
sucesso e à sobrevivência pessoal. Laranja safado, ou que andasse com o umbigo
de fora, perdia o emprego. Laranja de amostra não era um bom profissional.
Narrou-me
certa feita uma professora que ao formular aos alunos a clássica pergunta - “O
que vocês pretendem ser quando forem grandes?” – as respostas “Laranja,
professora”, ou, simplesmente, "Corrupto professora", quase empatavam
com a resposta “Jogador de futebol, professora”. A gurizada já sabia onde se
decidiam os grandes negócios. O laranja exercia uma atividade quase metafísica.
Num mundo onde a maior parte parecia não ser, mas era, o laranja parecia ser,
mas não era. Ele agia pelo cós das evidências. Quando uma CPI deitava a mão
sobre o laranja do caso, e começava a espremê-lo, surgia imediatamente um
problema de classificação das espécies que nem o velho Spencer conseguiria resolver.
Esse laranja é um laranja de primeira, segunda ou terceira geração? Ele tem o
seu próprio laranja ou é laranja de alguém?
Foi
assim por bom tempo, até que a vergonha sumiu de vez e os laranjas perderam
seus empregos, sendo substituídos por simples e bem-humorados apelidos nos
cadernos dos corruptores: Amigo, Todo Feio, Caju, Índio, Angorá, Italiano,
Campari, Velhinho e por vai. Anonimato guardado a sete chaves na cabeça de quem
só procederia às decodificações após um aprendizado de boa vontade e colaboração
na carceragem da PF de Curitiba.
Eis
que surge, agora, uma nova série de apelidos que vem suscitando especulações e
a exigir decodificação. Um acordo de colaboração entre as autoridades
brasileiras, norte-americanas e suíças, descreve as atividades criminosas de
nove "Brazilian Officials" identificados em investigação promovida
pelo Departamento de Justiça dos EUA nos negócios da Odebrecht e da Braskem.
Quando a gente pensava que a Lava Jato já tivesse arrancado todo o tapete que encobria
o submundo financeiro da política brasileira, surge uma quinta ponta,
desvelando seus desdobramentos internacionais. E dele emerge, grafado em inglês
como "brazilian official", um certo cavalheiro também conhecido como
Amigo e amigo do peito de generosos laranjas dos quais jamais abriu mão.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+