No
festival de corrupção generalizada que vem se descortinando há uns dois anos no
Brasil, a principal lei de incentivo à cultura não escapou dos ataques.
Chegou-se ao ponto de ser preso um cidadão sob a acusação de ter bancado as
despesas de seu casamento luxuoso com o dinheiro da lei.
Os
procedimentos para desviar o dinheiro financiado por essa lei não se
diferenciam dos outros, mas a duração do achaque consegue impressionar, mesmo
para uma população que convive com a corrupção em todas as áreas e,
praticamente, em todos os governos.
Segundo
o noticiário, já em 1992 começaram os desvios. Dependendo do mês, começaram a
meter a mão na grana da cultura antes de um ano da aprovação da lei, ocorrida
em dezembro de 1991. Se começaram a desviar antes de um ano, há uma
probabilidade grande de que o planejamento já vinha ocorrendo durante a
elaboração do projeto de lei.
Um
ano é muito pouco para se perceber, por acaso, eventuais “lacunas” existentes
numa lei que permitisse as falcatruas.
Responsabilizar
as chamadas lacunas da lei se tornou uma astúcia utilizada por grupos da mídia
para isentar os verdadeiros responsáveis, que são os corruptos e os agentes
públicos negligentes ou que têm envolvimento direto nos golpes. Não existe corrupção
“de acordo” ou “conforme” a lei. Talvez por isso, se utilize tanto a expressão
“desvio” de verba.
Essa
omissão na fiscalização não é por falta de órgãos. Além das polícias
investigativas, do Ministério Público e da Controladoria Geral da União, existem
os vários tribunais de contas e as unidades de controle interno em cada órgão
ou instituição da administração pública. Falta só o olho que vê, como diz Chico
Cesar, na música Benazir. E por que não se vê é o cerco a ser feito
urgentemente.
Antes
de tentar mudar a Lei Rouanet, como dissemina o discurso oficial, é preciso
consolidar o entendimento de que nenhuma lei é capaz de evitar a corrupção.
Essa eficácia incumbe às ações prévias de controle, que precisam do apoio de
fato dos superiores e de punição rigorosa quando são julgadas.
Quando
uma lei é criada num ano, no seguinte começa a ser fraudada e a fiscalização só
chega duas décadas e meia depois, como ocorreu com a Lei Rouanet; fica claro e
evidente que ninguém quis controlar nada. Muita gente que propõe soluções
agora, mesmo que não tenha se beneficiado desses desvios, só está contra agora
porque vieram à tona pela imprensa e em razão da onda de limpeza oriunda da
Operação Lava-Jato. E sobre esses abusos não se viu nenhuma manifestação de um
artista famoso.
Nenhum
desvio de dinheiro é aceitável, mas quando a corrupção chega a patrocinar
casamento com dinheiro público é porque já descamba para a desfaçatez e o
escárnio. Isso ocorre por omissão ou corrupção de pessoas e não por lacunas de
normas legais.