Mais importante do que conhecer
é reconhecer.
Sim, os fatos narrados na longa dissertação do procurador
Deltan Dallagnol são ofensivos, são impróprios, são intoleráveis por toda
consciência bem formada. Sim, foram duras aquelas palavras e podemos dizer como
os discípulos a Jesus: "Quem as pode ouvir?". Ora, se o cidadão comum
se sente assim ao ver desvelada com crueza substantiva e adjetiva a ampla
organização criminosa que saqueava o país, imagino o desconforto que as denúncias
causam a quem vê exibida em público a face hedionda do objeto de sua devoção.
A entrevista ainda estava em curso e já começavam os
protestos. "Essas coisas não são feitas assim!", clamavam uns.
"O Ministério Público foi longe demais!", exaltavam-se outros.
"A acusação deve simplesmente anunciar que encaminhou a denúncia e jamais
produzir libelos públicos!", professoravam certos escolados. Mesmo entre os que concordavam com a
narrativa da acusação, havia quem reprovasse a contundência do discurso.
No entanto, quanta lógica na decisão que os procuradores da
operação Lava Jato tomaram! E com quanta admiração ouvi e acolhi sua iniciativa!
Há mais de dois anos, pondo em risco a própria segurança, no torvelinho da
maior investigação criminal da história do país, eles combatem os poderes das
trevas que atuam no topo da nossa ordem política, econômica e judiciária.
Contrariam interesses hegemônicos. Seus investigados têm, ao estalo dos dedos, todo
o dinheiro de que possam necessitar para quanto lhes convenha e todas as
facilidades para agir fora e acima da lei. Não bastasse isso, Dallagnol e seus
colegas enfrentam, também, o carisma de Lula, as milícias de João Pedro
Stédile, Guilherme Boulos e Vagner Freitas, e o escudo protetor que a
prerrogativa de foro proporciona aos principais indiciados da operação.
Eles ouviram centenas de testemunhas. Setenta indiciados
relataram seus crimes e informaram o que sabiam. Empilharam dezenas de milhares
de provas, relatórios e documentos. A repetição das fórmulas evidenciou rotinas
consolidadas ao longo dos anos. Os crimes eram revelados e confessados pelos
beneficiários, pelos autores e por seus operadores. Bilhões de reais estão
sendo devolvidos e reavidos.
O Brasil que não é comprado com depósitos na Suíça nem com
pratos rasos de lentilha, louva a ação da Lava Jato e aplaude Sérgio Moro. Mas
sabemos todos e sabem ainda melhor os procuradores que, assim como na italiana
operação Mãos Limpas, o Congresso Nacional pode aprovar projetos que já
tramitam e tornam inócuas suas apurações e denúncias. Sabem que seus inimigos
agem no entorno e no interior do STF, dentro e fora do governo. Se o leitor
entendeu, há de ter visto que estão aí, devidamente alinhadas, grossas fatias do
Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E se entendeu completamente
reconhecerá o imenso serviço que aquela coletiva prestou à Nação, com
sacrifício e risco pessoal dos procuradores federais.
Não sei o que acontecerá nos próximos dias, mas quis
escrever este artigo antes de o sabermos.
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.