* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
quarta-feira, 30 de março de 2016
O CHÁ QUE DILMA NÃO TOMOU
Percival Puggina
Na tarde do dia 10 de
março, Dilma estava inquieta. As últimas semanas não lhe traziam menos do que
pesadelos. De um lado, sua base de apoio parlamentar esfarelava. Acabara o
dinheiro. Ele fora, até bem pouco, a argamassa que lhe dava solidez. De outro,
o apoio popular que o partido poderia buscar não significava grande coisa.
Movia-se a grana. Grana para o transporte, para gratificar os que aderissem e
para o tradicional sanduba de mortadela, isca e energético das massas de
manobra que seu governo dizia privilegiar.
Os ventos de Curitiba sinalizavam
borrasca e a atmosfera lhe parecia sinistra, como se impregnada de um cheiro de
pólvora que ela não sentia desde quando usava codinome e sua cama escondia um
arsenal. O inesperado estava acontecendo. Nem mesmo os torreões formados por
quatro dezenas de ministérios, na maior parte criados só para isso, garantiam
seu bastião do assédio que estava por vir. Certo, certo, fizera o diabo durante
a campanha de 2014, mas o capeta estava cobrando alto demais. Enquanto pensava,
Dilma ia de vez em quando até a janela, mas não havia sinal daqueles por quem
aguardava.
O chá fora solicitado para quando
chegassem e até um bolo de milho, na melhor receita mineira, reservado para a
ocasião. Três dias mais tarde haveria imensa mobilização popular contra ela,
seu governo e seu partido. As instituições da República, os congressistas e os
ministros do STF atribuíam incontornável significado ao que estava por
acontecer. E todas as informações davam conta de que, desta vez, ainda mais do
que antes, a nação iria rugir. Seria, seu segundo mandato, como um implante em
irreversível processo de rejeição? Ameaças de violência emitidas por seus
aliados nos movimentos sociais não pareciam atenuar as motivações que levariam
milhões de pessoas às ruas. Apoiadores tradicionais, como a OAB, voltavam-se
contra ela. Os movimentos sociais eram demasiadamente carimbados pelos coletes
da CUT e bonés do MST para serem confundidos com "nosso povo na rua".
Povo não se veste assim. João Santana já os havia alertado a esse respeito.
No ano passado, três dias antes das
manifestações do dia 15 de março, a cúpula da CNBB fora visitá-la levando seu
apoio e proclamara com firmeza não reconhecer motivo para impeachment. Quantos
católicos foram desmobilizados por causa daquela visita? E agora? Não
apareceriam novamente para lhe levar apoio? O chá esfriava. O bolo perdia a
fragrância do recém feito.
Não, leitor, a CNBB não apareceu.
Naquele exato dia em que Dilma deveria estar avaliando a situação em seu
gabinete, onde o chá e o bolo foram elaborados pela mera imaginação deste
cronista, seu Conselho Permanente emitiu uma "Nota sobre o momento atual
do Brasil" que pode ser lida aqui. O que
diz? Fala em crise, discernimento, serenidade, responsabilidade. Atribui ao
Congresso e aos partidos o dever de "fortalecer a governabilidade"...
Fala em "suspeitas de corrupção" (arre!), que devem ser investigadas
e "julgadas nas instâncias competentes". Afirma a prevalência das
necessidades dos mais pobres em relação à "lógica do mercado" e aos
interesses partidários. Por aí vai, com mais rodeios que festa campeira. E o
que não diz? Pasmem. A nota sequer menciona a palavra governo! Silencia sobre a
organização criminosa que saqueou a nação em detrimento dos mais desvalidos,
para benefício de uma parcela corruptora do empresariado nacional mancomunada
com agentes públicos da estrita confiança dos governantes. Sobre essa conduta
hedionda e delinquente não há no texto uma palavra sequer.
Como leigo católico, constranjo-me. Por
isso, desabafo.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.