quinta-feira, 5 de março de 2015

Campo de Golfe Olímpico: tacada torta de Eduardo Paes

Maurício Thuswohl

Região sofre com falta de água, enquanto gasta-se 1,8 milhão de litros diários em empreendimento, que deve render, segundo movimento Golfe Para Quem?, R$ 1 bilhão à especulação imobiliária

Região sofre com falta de água, enquanto gasta-se 1,8 milhão de litros diários em empreendimento, que deve render, segundo movimento Golfe Para Quem?, R$ 1 bilhão à especulação imobiliária                
Divulgação/Greenleaf
Campo de Golfe Olímpico 
               
Em empreendimento "olímpico", não falta nem água, nem denúncias, nem suspeitas.
 
Ao sair do último compromisso de sua agenda oficial de uma semana no Rio de Janeiro, que incluiu reuniões com autoridades locais e visitas de inspeção às obras preparatórias para a Olimpíada, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, foi cercado no sábado (28) por um grupo de cerca de 50 manifestantes. Aos gritos de “COI go home” e portando uma faixa onde se lia “Holocausto Ambiental”, os manifestantes entregaram ao alemão uma lista de queixas contra a organização dos jogos que trazia como primeiro item o Campo de Golfe Olímpico, que está sendo construído pela empreiteira RJZ Cyrela na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade: “Parece que esse campo de golfe é agora a grande polêmica”, resumiu Bach aos jornalistas.

Motivos não faltam. O Rio de Janeiro já possui dois conceituados, e vastos, campos de golfe: o Gávea Golf Club, que tem 18 buracos (número utilizado nas competições do COI), e o Itanhangá Golf Club, com 27 buracos e presente em todos os rankings de melhores campos de golfe do mundo. Ainda assim, a prefeitura optou pela construção de um terceiro campo para a Olimpíada, em um terreno de 970 mil metros quadrados localizado em plena Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi. O custo estimado em R$ 60 milhões é integralmente bancado pela iniciativa privada. Em contrapartida, os investidores privados receberam da prefeitura a permissão para a construção de 23 novos prédios residenciais de até 22 andares na região da Barra, na zona oeste do Rio, e do bairro vizinho, o Recreio.

Logo no início das obras, a prefeitura conseguiu, por meio de lei complementar (PLC 113/2012) aprovada na Câmara Municipal, excluir uma área de 58 mil metros quadrados de Mata Atlântica dentro do Parque Natural Municipal de Marapendi para integrá-la ao projeto do Campo de Golfe Olímpico, além de alterar o gabarito da área edificável na região, que era de somente seis andares. Na ocasião, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) argumentou que uma compensação ambiental para o desmatamento havia sido acertada com os empresários. Estes iriam ajudar a instalar em uma área de 846 mil metros quadrados o Parque Natural Municipal Nelson Mandela, que tornaria Área de Proteção Ambiental toda a parte de vegetação de restinga voltada à Praia da Reserva, trecho ainda preservado e hoje ameaçado pela especulação imobiliária.
O problema é que a mata já foi suprimida para a construção do campo de golfe, que tem inclusive a topografia de seus 18 buracos já concluída, mas até o momento o novo parque municipal não deu o menor sinal de que será instalado. Paralelamente, os empreendimentos imobiliários no entorno já começaram, e a mesma construtora RJZ Cyrela até montou stands para vender na planta os apartamentos do futuro condomínio Riserva Golfe – Vista Mare Residenziale.

Crime ambiental



O Ministério Público Estadual, por intermédio de seu Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente, deu entrada em uma ação civil pública que pede o embargo do projeto de construção do Campo de Golfe Olímpico, sob a alegação de prática de crime ambiental e violação da Lei da Mata Atlântica. Já a Procuradoria-Geral do Município diz que os terrenos da Praia da Reserva, que se estendem da Barra da Tijuca até o Recreio, ainda não foram sequer desapropriados pela prefeitura, o que coloca o acerto público-privado sob suspeição e ainda pode inviabilizar o plano de compensação ambiental bolado por Paes.
Além da supressão de Mata Atlântica, os ambientalistas criticam o impacto que a construção do Campo de Golfe Olímpico está causando sobre a fauna da APA de Marapendi. A principal preocupação é com uma espécie endêmica ameaçada de extinção, o lagarto Liolaemus lutzae, conhecido popularmente como lagartinho da praia ou lagartixa da areia, que vive bem próximo ao mar, nas dunas e vegetação de restinga.
As queixas não param por aí. Enquanto os novos espigões não são erguidos, quem já mora na região diz que sente o impacto da falta de água desde que as obras começaram. Segundo o movimento “Golfe Para Quem?”, os problemas de abastecimento coincidiram com o início da irrigação 24 horas do terreno do futuro campo de golfe, que é garantida pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Um cálculo feito pelo movimento, baseado no consumo de água declarado por campos de golfe em todo o mundo, aponta que cerca de 1,8 milhão de litros estão sendo gastos diariamente no empreendimento carioca.

Lucro e concessão

Outro cálculo feito pelo Golfe Para Quem?, desta vez baseado no preço praticado atualmente para venda do metro quadrado de terreno na região, aponta que a expectativa de retorno da RJZ Cyrela com os 23 prédios a serem construídos é de R$ 1 bilhão. Essa percepção motivou uma segunda ação do Ministério Público para embargar o projeto do Campo de Golfe Olímpico. A ação, que aponta ilegalidades em todo o processo – decretos e leis complementares – levado a cabo pela prefeitura, afirma que “o benefício concedido a particular é excessivo se comparado à contrapartida exigida pelo município, o que configura dano ao erário”.
Advogado do movimento, Jean Carlos Novaes encaminhou representação contra o projeto à Promotoria de Defesa da Cidadania e ao Ministério Público Federal e Estadual: “Fizemos essa representação para que se apurem as irregularidades, provavelmente de tráfico de influência, e de favorecimento a empresas e pessoas envolvidas nesse projeto do Campo de Golfe Olímpico. É evidente que existe uma desproporção imensa entre a vantagem que o particular está levando em detrimento do patrimônio público e da sociedade do Rio de Janeiro”, diz.
Após a Olímpiada – será usado para as competições oficiais por apenas oito dias –, o campo de golfe olímpico, por contrato, se tornará público por um período de dez anos, prorrogáveis por mais dez. A gestão do espaço será terceirizada, por intermédio de concessão à iniciativa privada.
Eduardo Paes já afirmou que o processo de concorrência pública para a escolha dos futuros operadores do espaço será realizado antes dos jogos, de modo que a nova gestão tenha início em setembro de 2016. Falta, no entanto, definir o conceito de utilização de um campo de golfe público. A ideia, segundo o prefeito, é que o clube tenha entrada permitida a todos mediante a cobrança de uma taxa de utilização, e que reserve um espaço para a realização de projetos sociais da prefeitura, ainda não especificados.

Batata quente

Após dois anos de defesa veemente do projeto, quando repetia que o Campo de Golfe Olímpico se transformaria em um “ponto de turismo sofisticado” e que iria “colocar o Rio no circuito internacional de golfe”, Eduardo Paes parece ter decidido tirar do colo da prefeitura a batata quente em que se transformou a crescente polêmica provocada pelo empreendimento: “Eu odeio ter sido obrigado a fazer esse campo de golfe. Por mim, não teria feito nunca. Mas, infelizmente, todos os pareceres do COI disseram que nem o campo da Gávea, nem o de Itanhangá serviriam. Por isso fiz o projeto de parceria público-privada. Se eu tivesse de colocar dinheiro público nisso, não colocaria nunca”, disse o prefeito, na saída de um dos eventos da visita oficial do COI.
Confrontado por jornalistas à afirmação de Paes, o presidente da entidade deu uma resposta que só coloca mais lenha na fogueira dos que apontam irregularidades no projeto: “Fico um pouco surpreso com isso, porque o prefeito estava realmente nos pressionando para a construção desse campo de golfe. Tenho certeza de que ele pensou muito sobre isso antes de construí-lo”, disse Thomas Bach.
Sobre os vetos aos campos da Gávea e do Itanhangá, as autoridades olímpicas limitam-se a dizer que ocorreram após estudos técnicos, sem especificar quais critérios foram observados. No entanto, em carta enviada à Câmara dos Vereadores e mais tarde tornada pública, o presidente do Itanhangá Golf Club, Alberto Fajerman, afirma que jamais foi “sondado por qualquer órgão envolvido na organização dos Jogos Olímpicos de 2016”. O empresário acrescenta que, “caso tivesse sido procurado, aceitaria sim sediar a modalidade de golfe nos Jogos Olímpicos de 2016”.