sábado, 13 de dezembro de 2014

Pesquisa questiona relação entre violência urbana e escolar

Estudo se baseia em escolas da Zona Norte do Rio de Janeiro


Pesquisa de Aline Ferrão, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sobre violência escolar, vai na contramão da percepção da sociedade e, até mesmo, de relatórios da UNESCO. Após acompanhar duas escolas da Zona Norte do Rio de Janeiro, a autora não verificou interferência da violência externa no ambiente escolar.

Baseando-se nos estudos do francês Bernard Charlot e na paulista Miriam Abramovay, Aline dividiu os tipos de violência entre aquela decorrente de conflitos que nascem fora do ambiente escolar, mas que por algum motivo acaba sendo levado para dentro da escola, e aquela que se refere a questões institucionais da escola, como conflitos entre estudantes com professores e ataques ao patrimônio escolar.

O trabalho da autora gira em torno de pesquisas realizadas com o corpo docente e discente. A autora procura enfocou a violência que supostamente nasce nos arredores em que a instituição está inserida e como isso afeta o desenvolvimento da violência no ambiente escolar. Foram analisadas duas escolas, uma na Zona Norte do Rio de Janeiro próxima a uma rota de fuga para quadrilha de traficantes e a outra localizada na área limítrofe entre a Zona Oeste e a Zona Norte, uma região que não é caracterizada pelo domínio do tráfico de drogas e de quadrilhas. Mesmo com a segunda escola não estando em área de permanente conflito, verificou-se uma maior frequência nos casos de violência em relação à primeira escola, que se encontrava na área dominada pelo tráfico. Sendo assim, a pesquisa questiona a ideia recorrente de que há relação entre área violenta com alunos violentos, concepção esta que é amplamente difundida perante a sociedade, inclusive no âmbito docente. Mas foram verificadas violências relacionadas ao contexto institucional, com a autora relacionando isso à relação entre docentes e discentes, com os alunos sendo as principais vítimas, e que supostamente estes se vingavam destruindo o patrimônio escolar.

A pesquisa de Aline vai na direção oposta do que vemos freqüentemente nos noticiários, com os professores sendo constantemente retratados como vítimas, sofrendo agressões, ameaças e abusos. Em 2014 tivemos diferentes casos, entre eles o de Cleber Iembo, professor de Ciências em uma escola estadual em Oriente, no interior de São Paulo, traumatizado após ser espancado por um aluno que se descontrolou por ter sido advertido por estar sentado no lugar errado. Após a agressão o professor afirma que começou a sentir fobia e aumento de pressão só ao pensar em voltar a dar aula. Ainda em São Paulo, mas na cidade de São José dos Campos, um professor que preferiu se manter anônimo foi agredido após pedir para estudantes fazerem silêncio no corredor. O que mais choca nesses casos é a banalidade da origem das agressões, diferente da pesquisa de Aline não é um confronto de hierarquias com os professores, mas, sim, uma questão de orgulho.

Na pesquisa referente aos professores, a maioria das respostas mostrou que os docentes acreditam que sua única responsabilidade é ministrar conteúdo, desvinculando-se da função de educação e sociabilidade. A autora critica essa visão de mundo dos professores, acreditando que é essencial para a formação dos alunos uma integração entre ministrar os conteúdos e estimular a socialização. Os professores também reclamam de uma eventual perda de autoridade, o que caracterizam como uma desvalorização do magistério. Ferrão enxerga essa perda de autoridade como uma transformação do modelo da autoridade tradicional, que se baseava em medidas de repressão e em desigualdades de direito. É necessário que o corpo docente tenha uma autoridade, mas esta autoridade necessita ser baseada no respeito ao direito dos estudantes e na boa convivência entre as diferentes esferas escolares.

A autora conclui que é papel dos educadores não apenas ministrar conteúdos, mas pensar em projetos pedagógicos que estimulem as necessidades dos alunos e valorize a sociabilidade.