Pesquisa de Aline Ferrão, do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sobre
violência escolar, vai na contramão da percepção da sociedade e, até mesmo, de
relatórios da UNESCO. Após acompanhar duas escolas da Zona Norte do Rio de
Janeiro, a autora não verificou interferência da violência externa no ambiente
escolar.
Baseando-se nos estudos do francês Bernard Charlot e na paulista
Miriam Abramovay, Aline dividiu os tipos de violência entre aquela decorrente
de conflitos que nascem fora do ambiente escolar, mas que por algum motivo
acaba sendo levado para dentro da escola, e aquela que se refere a questões
institucionais da escola, como conflitos entre estudantes com professores e
ataques ao patrimônio escolar.
O trabalho da autora gira em torno de pesquisas realizadas com o
corpo docente e discente. A autora procura enfocou a violência que supostamente
nasce nos arredores em que a instituição está inserida e como isso afeta o
desenvolvimento da violência no ambiente escolar. Foram analisadas duas
escolas, uma na Zona Norte do Rio de Janeiro próxima a uma rota de fuga para
quadrilha de traficantes e a outra localizada na área limítrofe entre a Zona
Oeste e a Zona Norte, uma região que não é caracterizada pelo domínio do
tráfico de drogas e de quadrilhas. Mesmo com a segunda escola não estando em
área de permanente conflito, verificou-se uma maior frequência nos casos de
violência em relação à primeira escola, que se encontrava na área dominada pelo
tráfico. Sendo assim, a pesquisa questiona a ideia recorrente de que há relação
entre área violenta com alunos violentos, concepção esta que é amplamente
difundida perante a sociedade, inclusive no âmbito docente. Mas foram
verificadas violências relacionadas ao contexto institucional, com a autora
relacionando isso à relação entre docentes e discentes, com os alunos sendo as
principais vítimas, e que supostamente estes se vingavam destruindo o
patrimônio escolar.
A pesquisa de Aline vai na direção oposta do que vemos
freqüentemente nos noticiários, com os professores sendo constantemente
retratados como vítimas, sofrendo agressões, ameaças e abusos. Em 2014 tivemos
diferentes casos, entre eles o de Cleber Iembo, professor de Ciências em uma
escola estadual em Oriente, no interior de São Paulo, traumatizado após ser
espancado por um aluno que se descontrolou por ter sido advertido por estar
sentado no lugar errado. Após a agressão o professor afirma que começou a
sentir fobia e aumento de pressão só ao pensar em voltar a dar aula. Ainda em
São Paulo, mas na cidade de São José dos Campos, um professor que preferiu se
manter anônimo foi agredido após pedir para estudantes fazerem silêncio no
corredor. O que mais choca nesses casos é a banalidade da origem das agressões,
diferente da pesquisa de Aline não é um confronto de hierarquias com os
professores, mas, sim, uma questão de orgulho.
Na pesquisa referente aos professores, a maioria das respostas
mostrou que os docentes acreditam que sua única responsabilidade é ministrar
conteúdo, desvinculando-se da função de educação e sociabilidade. A autora
critica essa visão de mundo dos professores, acreditando que é essencial para a
formação dos alunos uma integração entre ministrar os conteúdos e estimular a
socialização. Os professores também reclamam de uma eventual perda de
autoridade, o que caracterizam como uma desvalorização do magistério. Ferrão
enxerga essa perda de autoridade como uma transformação do modelo da autoridade
tradicional, que se baseava em medidas de repressão e em desigualdades de
direito. É necessário que o corpo docente tenha uma autoridade, mas esta
autoridade necessita ser baseada no respeito ao direito dos estudantes e na boa
convivência entre as diferentes esferas escolares.
A autora conclui que é papel dos educadores não apenas ministrar
conteúdos, mas pensar em projetos pedagógicos que estimulem as necessidades dos
alunos e valorize a sociabilidade.