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Luiz Flávio Gomes |
Se a lei da
videoconferência para ouvir à distância réus e testemunhas já completou
quatro anos, não há dúvida que as duas aberrantes mortes, de uma criança e de
um policial, ocorridas na tentativa de invasão do Fórum de Bangu (em novembro
de 2013), para resgatar um preso que seria interrogado, devem ser atribuídas
desde logo à omissão e ao absoluto descaso dos responsáveis pela
Administração da Justiça no Brasil (Governos e Tribunais), que até hoje,
ressalvadas pouquíssimas exceções, não transformaram referida lei em
realidade.
A contínua troca da frota
de carros, para o exercício de privilégios, tem sido mais relevante que a
preservação de vidas, por meio do uso massivo da videoconferência, que se
justifica não só para a agilização, economia e desburocratização da justiça,
senão também para a segurança do juiz, do promotor, dos defensores, dos
presos, das testemunhas, das vítimas, dos funcionários judiciais e das
pessoas em geral. Não se trata de privilegiar só o indivíduo ou a só a
Justiça, senão, sobretudo, a sociedade. Ela evita o risco de fugas, resgates
de presos, libera os policiais para suas tarefas normais etc.
Incontáveis juristas
analógicos e jurássicos, no entanto, mesmo sabendo que o mundo inteiro já faz
uso dessa ferramenta, de modo razoável, a continuam abominando. A
videoconferência não promove julgamento “mecânico e insensível” (STF, HC
88.914-SP). O método não aniquila a validade ou sensibilidade do ato. Tudo
depende da forma (do respeito às garantias do réu). O fundamental, assim, não
é o método, sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). A
distância, com a videoconferência, só é espacial, não temporal. Nada é
virtual (tudo é real e fisicamente visível). A tecnologia supera o
distanciamento, aproxima temporalmente as pessoas e dá concretude a todas as
garantias constitucionais. Nada se perde. Não se viola o princípio do devido
processo legal, nem a ampla defesa nem o contraditório.
A videoconferência já não
é uma realidade em todo território nacional em razão do deplorável desleixo e
generalizado desrespeito aos direitos humanos de todos, o que constitui um
dos agudos sintomas da profunda degeneração moral e ética da nossa depauperada
sociedade, que continua culturalmente presa à dinâmica do arquétipo
comportamental do Pai (regime patriarcal), fundada na lógica da guerra, do
ódio, da vingança, da intolerância, do menosprezo, da tortura, da corrupção e
da hierarquização social, que vê o “outro” não como um igual em respeito e
dignidade, sim, como inferior coisificado.
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