terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O inimigo quase invisível

Paloma Quintão

Papilomavírus humano está presente na maioria da população
Apesar da eficácia, vacina contra o HPV é ineficaz contra mais de 100 variações do vírus


Causador de cerca de 500 mil novos casos de câncer de colo uterino por ano, e da morte de 230 mil mulheres em todo mundo, o papilomavírus humano, mais conhecido como HPV, está presente em grande parte da população. Estima-se que entre 25% e 50% das mulheres estejam contaminadas. No caso dos homens, o número de infactados chega a 50% da população masculina mundial, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA).

Embora seja comum atribuir o HPV a um único vírus, a sigla de origem estadunidense se refere a um conjunto deles. Já foram identificadas mais de 100 variações, sendo que cerca de 30% são capazes de infectar os tecidos genitais, causando verrugas e o câncer de colo uterino. Como a contaminação do papilomavírus humano acontece através do contato com a pele ou mucosas infectadas, a melhor forma de se prevenir ainda é através da vacinação e do uso de preservativos, mesmo eles não garantindo total eficácia. Isso porque o HPV pode estar presente em áreas não cobertas pela camisinha, facilitando sua disseminação.




HPV e câncer de boca













Algumas variações do vírus podem causar o câncer de colo de útero, sua consequência mais grave. São os chamados oncogênicos ou vírus de alto risco. A mestre em Saúde Coletiva pela Uerj, Silvia Araújo, explica que, há pelo menos dez anos, alguns estudos confirmam a presença do papilomavírus em praticamente 100% dos casos de câncer de colo uterino; no entanto, não é só o vírus que agrava a doença.

"A persistência do HPV, em determinados casos, leva ao principal ônus dessa infecção em mulheres, que é o câncer cérvico-uterino. Mas a infecção, apesar de ser uma condição necessária, não é suficiente para o desenvolvimento desta neoplasia, sendo forçosa a presença de co-fatores para sua ocorrência”, detalha a pesquisadora, que ainda cita alguns fatores agravantes: o estado imunológico, a co-infecção pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS), Chlamydia trachomatis (bactéria causadora da Clamidíase), vírus herpes simplex tipo-2 (HSV-2), tabagismo, baixa ingestão de vitaminas, multiplicidade de parceiros sexuais, iniciação sexual precoce e uso de contraceptivos orais.

A eficácia da vacinação

Na dissertação defendida no Programa de Pós- Graduação em Saúde Coletiva, com o título “Nível de evidência acerca da eficácia das vacinas disponíveis contra a infecção pelo vírus HPV: revisão sistemática”, Silvia indica que as vacinas disponíveis no mercado (Bivalente e Quadrivalente, que cobrem dois e quatro tipos de vírus, respectivamente) são eficazes em mulheres na faixa etária entre 15 a 45 anos, e que não tenham sido infectadas por esses subtipos virais constituintes da vacina.

Porém, apesar dos resultados positivos, a mestre ressalta que é importante não confiar apenas nessa forma de prevenção, já que a vacina não cobre todos os vírus pertencentes ao grupo HPV:

”Este resultado não elimina a necessidade de rastreamento regular pelo exame de Papanicolaou, que tem se mostrado eficiente desde que se mantenha elevada cobertura populacional e façam parte de programas de atenção à saúde da mulher, com adequada indicação e realização do teste, coleta e análise apropriadas dos materiais, e encaminhamento ao tratamento correto e oportuno, nos casos necessários. Como cerca de 30% dos tipos virais oncogênicos não são cobertos pelas vacinas disponíveis; mesmo vacinadas, as mulheres podem ser infectadas por subtipos virais oncogênicos não constituintes das vacinas”.

São poucas as contraindicações. O médico ginecologista André Luís dos Santos Medeiros explica que existem casos especiais.

“As gestantes devem esperar o término da gravidez para fazer uso da vacina. Da mesma forma, pessoas gravemente doentes devem esperar a melhora do seu quadro para se vacinarem. Já para aquelas com doenças leves, como resfriado, não há problema”, explica e adverte: “Logicamente, se uma pessoa foi previamente vacinada para o HPV e apresentou algum tipo de reação grave, deve evitar aplicação de nova dose”.

Para o médico, também mestre em Saúde Coletiva pela Uerj, seria importante a disponibilidade da vacina no Sistema Único de Saúde (SUS), já que atualmente as pessoas só podem adquirí-la através da rede privada. Porém, o alto custo do vacina é o principal entrave para uma incluí-la numa política pública de prevenção:

“Segundo o Ministério da Saúde, para vacinar apenas meninas entre 11 e 12 anos, o custo seria em média de 1,857 bilhão de reais. Para se ter ideia do impacto, podemos imaginar que o custo anual do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde (vacinas para poliomielite, hepatite B, BCG etc) em 2006 foi de cerca de 750 milhões de reais, ou seja, para se vacinar apenas aquela faixa etária, o Governo gastaria quase três vezes mais do que se gasta com todas as outras vacinas comumente aplicadas nas campanhas”, contou o médico.

André Luís acredita que as campanhas de prevenção são necessárias, mas, para ele, também seria importante uma conscientização pessoal. Segundo o médico, esse tipo de câncer pode ser evitado.

“A maioria das pessoas sabe que não usar o preservativo ou ter muitos parceiros sexuais pode aumentar o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis, dentre elas o HPV. Por que então continuam se expondo ao risco?”, questiona e finaliza seu pensamento: ”A resposta é que doenças como o câncer de colo uterino têm um surgimento insidioso, levando anos para se manifestarem. As pessoas costumam não temer aquilo que não está muito palpável e tendem a acreditar que nunca acontecerá com elas. É preciso descobrir alguma forma de mudar esse pensamento”.