quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Época do Brasil Colônia


Prefeitura do Rio cobra taxa de foro de 1.700 imóveis
Luiz Ernesto Magalhães

RIO - Moradora de uma vila em Botafogo, a bailarina Norma Pina, de 42 anos, levou um susto ao receber, semana passada, uma notificação da prefeitura. Uma carta da Superintendência Imobiliária da Secretaria municipal de Fazenda intima Norma a pagar uma taxa de R$ 1.402,33, a título de ocupação do imóvel nos anos de 2008 e 2009, e que deve ser quitada até 30 de dezembro. A bailarina, que terá que continuar a pagar a taxa anualmente, está longe de ser uma exceção. Cerca de 1.700 proprietários de imóveis, boa parte da Zona Sul, estão sendo notificados, desde o dia 11, de dívidas que alegam desconhecer.
Você foi notificado pela Prefeitura do Rio a pagar a taxa de foro? Conte sua história
A cobrança, que deve garantir uma receita extra para a prefeitura de até R$ 3 milhões neste fim de ano, está causando polêmica. Norma tem dúvidas se a cobrança é legal. Ela recorreu à Associação de Moradores de Botafogo (Amab) pedindo que estude se cabe uma ação judicial:
- Por dois anos da taxa, tenho que pagar mais do que recolhi este ano de IPTU (R$ 1.125,30) - reclama.
A taxa, conhecida como foro, é uma herança da época em que o Brasil ainda era colônia portuguesa. No século 16, a antiga Câmara da Cidade do Rio (espécie de prefeitura colonial) dividiu o território carioca em três grandes lotes, conhecidos como sesmarias, onde hoje existem cerca de 30 mil imóveis construídos. Estas sesmarias eram Estácio de Sá (hoje boa parte da Zona Sul do Rio), Sobejos (imóveis situados entre a testada da Sesmaria de Estácio de Sá e o mar) e Realengas (áreas de propriedade da Coroa Portuguesa), em Realengo.
- Estranhei o valor, mas ainda teremos que estudar a legalidade da cobrança. Como a taxa não pode ser atualizada, o valor cobrado da maioria dos imóveis de Botafogo, por exemplo é simbólico. Não passa de um real. E acaba sendo paga junto com o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Intervivos) para o registro de transações imobiliárias - disse a presidente da Amab, Regina Chiaradia
A Secretaria municipal de Fazenda alega que identificou os devedores ao fazer uma checagem em seus cadastros. Segundo o município, os outros 28.300 contribuintes estão em dia com a taxa. A partir de 2011, porém, haverá mudanças nas regras de cobrança. Em lugar de procurar a prefeitura para quitar o tributo, a prefeitura enviará o boleto de cobrança para os imóveis. Caso a taxa seja quitada à vista, o contribuinte a terá direito a um desconto de 7%. Existe ainda a opção de parcelar o valor devido em até 30 vezes.
O valor cobrado dos moradores é calculado conforme o preço de mercado do imóvel. A taxa corresponde a 0,6% do valor total do ITBI no momento em que o terreno é edificado. Para obter o domínio pleno (remissão) e deixar de pagar o foro em definitivo, o proprietário do imóvel teria que recolher uma taxa extra para a prefeitura. A quantia equivale a um laudêmio (2,5% do valor de mercado do imóvel) mais o valor equivalente a dez foros.
A isenção de IPTU não garante imunidade do pagamento do foro. Que o diga a musicista Lys Araújo, de 41 anos, que ontem tentava esclarecimentos sobre a notificação da prefeitura cobrando atrasados do imóvel de sua mãe.
Moradora da Rua André Cavalcanti, num imóvel que não recolhe IPTU por se situar no Corredor Cultural do Centro, a mãe de Lys recebeu uma notificação cobrando R$ 2.104,63 relativos a oito anos de foro:
- A carta que a prefeitura envia chega a assustar. Informa que, se o proprietário deixar de pagar o foro por três anos, pode perder o imóvel. Este ano a prefeitura já começou a cobrar taxa para manter a iluminação pública. Agora aparece mais essa como presente de Natal - criticou Lys.
Tributarista: se prefeitura esqueceu, não pode cobrar
Na avaliação do advogado tributarista José Cavalcanti Nicodemos de Oliveira, os valores cobrados pela prefeitura seriam inconstitucionais. Segundo ele, a legislação em vigor permite apenas que a União atualize os valores cobrados de imóveis foreiros:
- O valor do foro municipal é imutável. A taxa tem que ser idêntica para todos. Se a prefeitura, por alguma falha, deixou de cobrar o valor devido durante algum tempo, a responsabilidade não é do contribuinte.
Nicodemos acrescenta que a cobrança sem atualização monetária foi prevista pelo antigo Código Civil. Em sua interpretação, como o atual código, em vigor desde 2002, não tratou da matéria, valem as regras em vigor da legislação antiga. Além da Zona Sul, o foro é cobrado pela prefeitura de imóveis dos bairros de Fátima, Catumbi, Centro, Estácio, Gamboa, Glória, Saúde e Santo Cristo. E também em parte de Bangu, Magalhães Bastos, Padre Miguel e Realengo.

Fonte: Globo On line